Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República,

Nos últimos anos do século 20 e primeiras duas décadas do século XXI a humanidade assistiu ao desenvolvimento das comunicações não presenciais ao nível da tecnologia, acesso e preço sendo sem dúvida um dos maiores contributos para a união entre os povos e a paz, permitindo a troca de informações reais e relevantes entre o cidadão e os seus.

Nos anos 50 e até aos anos 90, devido ao custo, os correios eram a maior forma de transmissão desta informação individual tendo, no entanto, três grandes limitações: a necessidade de alfabetização (o saber ler e escrever a mensagem), a disponibilidade do serviço e o receio de intercetação e leitura a nível local por outra pessoa.

Se pensarmos nestas 4 componentes (custo, acesso à ferramenta, acesso ao serviço e privacidade) conseguimos imediatamente percecionar o impacto que a evolução nestes 4 campos teve nas comunicações até ao presente.

1. A comunicação como um bem de mérito

Apesar de atualmente a comunicação ser vista como um bem de produção e provisão privadas, ao longo da história observámos vários momentos em que foi necessário a intervenção do estado para a expansão destes meios, como demonstram os inúmeros serviços públicos de correios e telefones. Devido ao seu custo, não seria possível que atingissem escala nacional se não fosse a subsidiação pelo estado, mesmo mantendo custos elevados para os utilizadores. O advento da internet e comunicações móveis trouxe uma alteração radical a este paradigma, recorrendo sobretudo a operadores privados, que beneficiaram dos custos bastante mais reduzidos dos produtos antecedentes e da ampla implementação e necessidade criada do seu uso devido ao investimento estatal.
Olhando para os chats online e videochamadas observamos que não só apenas existe atividade privada como a mesma já não está centrada nos operadores de comunicações privados nacionais como assenta sobre os mesmo e não tendo as mesmas obrigações nem responsabilidades perante os países. Surgiram assim produtos centrados na necessidade do fornecedor na centralização da informação mas que não dão resposta às necessidades de resiliência do sistema em situações limite. A imposição da deslocação de servidores para a UE por motivos de privacidade de dados manteve o mesmo aspecto centralizador, não podendo manter serviços autonomamente em caso danos em determinados locais. Torna-se evidente que é pequeno o interesse da iniciativa privada em fornecer este tipo de serviço, sendo essencial recorrer-se assim à regulação.

2. RCS (Rich Communication Services)

O advento das telecomunicações móveis trouxe consigo diversas novidades:
- o serviço de voz associado à escrita (SMS) e posteriormente imagem (MMS);
- o conceito de um número de telefone como identificador de uma pessoa e não de uma família;
- Mais recentemente, o telefone como aparelho capaz de substituir os mais variados utensílios como agendas, blocos de notas, lanternas, câmaras fotográficas, calculadoras e os materiais associados à sua utilização como materiais de escrita, pilhas, etc.

A associação das comunicações móveis à internet distanciou-as ainda mais das comunicações fixas. Enquanto na primeira diversos aplicativos surgiram diversificando a oferta comunicativa de serviços como chats interativos e videochamadas sem conexão entre eles, na segunda o sistema evoluiu em conjunto para o sistema VOIP mantendo a sua função base principal com algumas melhorias e mas também a sua conectividade com quem ainda mantém o sistema de comunicações sobre o cobre.

Assim observamos que os contactos entre números fixos e móveis são universais (sejam através da rede de cobre, VOIP ou GSM) sendo possível falar por voz com qualquer número desta rede, e por SMS e MMS para qualquer número da rede móvel.

No entanto, o mesmo não se observa com os novos tipos de comunicação desenvolvidos, nomeadamente os chats e videochamadas, em que apenas podemos contactar quem for cliente da mesma empresa. Esta situação é perfeitamente aceitável e deve ser incentivada até para que surjam novos produtos e inovações (como o chat e videochamadas foram no seu tempo).

Chegámos, no entanto, a um momento na história onde mais uma vez se observa a necessidade de uma resposta universal para os desafios actuais que a comunicação traz, nomeadamente:

- encriptação
- ubiquidade
- resiliência

Por outras palavras, sistemas que mantenham a comunicação privada, que chegue a todas as pessoas e em todos os lugares e objetos e que seja capaz de dar resposta mesmo em situações adversas como catástrofes naturais, emergências de saúde pública e guerras.

É neste contexto que tem decorrido nos diversos operadores mundiais a implementação do RCS, um sistema de chat (incluindo envio de ficheiros) e videochamada, assente em IP, à semelhança das actuais linhas fixas e que permite efectuar chat e videochamada de forma universal com qualquer número de telefone móvel ligado à rede.

Observa-se, no entanto, que a implementação deste sistema tem sido lenta por haver desinteresse dos diversos participantes neste mercado (operadores de comunicações, produtores de telefones e produtores/fornecedores de software) em implementar esta solução de forma ubíqua.

Assim, perante os benefícios possíveis para o cidadão e Estado, há necessidade de regular por forma que os mesmos sejam alcançados e da forma que melhor corresponde às diversas necessidades já enunciadas.

Saliente-se que dos protocolos de mensagens existentes, o RCS é o único que tem um grau de descentralização suficiente para poder assegurar a resiliência de comunicações em populações isoladas de forma inesperada.

3. Protocolo Signal

Em termos de privacidade existem hoje vários protocolos que asseguram que os chats e videochamadas são encriptados e apenas descodificáveis por quem os emite e os recepciona. A sugestão de utilização do protocolo Signal resulta apenas da já vasta experiência na utilização através de apps como o Whatsapp, Signal, Facebook Messenger, Skype e Mensagens da Google. Dando resposta ao solicitado e sendo já a solução mais utilizada, para legítimo ser também a adoptada.

4. Conflito de interesses

As tecnologias propostas para adopção universal são da responsabilidade de:

- protocolo RCS (da responsabilidade da GSM Association, entidade associativa que reúne operadores de todo o mundo);
- protocolo Signal (desenvolvido pela Open Whisper Systems).

Assim não deverão os envolvidos nesta proposta legislativa estar associados a nenhuma destas entidades ou companhias, devendo no entanto todas ser ouvidas em sede de auscultação pública.

5. Resiliência

Sendo um dos principais benefícios desta tecnologia a resiliência, é importante traçar possíveis cenários de isolamento de comunicações que poderão ocorrer. Poderão assim ser desenhados mapas de resiliência por grupos internacionais de países, país, região ou operador, num trade-off entre a resiliência essencial e a perda de qualidade de serviço (por aumento do tempo de espera ou qualidade).
Ou seja, há que traçar um mapa eficiente de redes autónomas, mas que não seja impeditivo da qualidade do serviço.
Para além da resiliência das redes de comunicação em si, há ainda diversos serviços que são prestados através da mesma, quer por mensagens em massa (direcionadas a todas as pessoas ligadas em determinado local) quer as mensagens através de registos individuais.
Em Portugal, durante a Pandemia COVID, tivemos um ótimo exemplo de uma conjugação de ambas: por um lado o envio em massa de mensagens a alertar para a situação e por outro, mensagens individuais por parte dos sistemas de saúde com prescrições de exames e medicamentos.
As mensagens em massa são também utilizadas regularmente em Portugal pela proteção civil para alertar para diversos riscos associados ao clima, por exemplo.
O RCS, uma vez que é um sistema que identifica entre os seus utilizadores quem está ligado, permitiria complementar a informação enviada com folhetos, imagens, vídeos, enriquecendo o conteúdo informativo desta comunicação.
As videochamadas por RCS poderiam permitir os contactos com os serviços de emergência (112) por videochamada, facilitando a avaliação e apoio às diversas situações.
Outros exemplos de utilização já existente de chats e videochamadas presentemente através de servidores centralizados, que mostram a relevância para a resiliência são:

- envio de vídeos de desastres naturais no momento;
- envio de ficheiros diversos que comprovem crimes de guerra;
- envio de fotos de acidentes para serviços de emergência;
- consultas com serviços de saúde por videochamada;

6. Petição

O objectivo desta petição é solicitar à Assembleia da República que analise as seguintes propostas, destinadas a assegurar que os cidadãos possam aceder sem limitações ao RCS.

A nível dos equipamentos, sugere-se que todos os equipamentos à venda na UE a partir de 2024 deverão suportar chat e videochamada por RCS excepto se pelas suas características não puderem suportar uma ou várias das suas funções. Por exemplo, telemóveis sem câmara não terão de suportar videochamada. Neste caso também não terão de suportar chamadas por RCS uma vez que os pressupostos da comunicação estão já assegurados num serviço equivalente pela ligação à rede GSM. Da mesma forma aparelhos que pelas suas características não suportem chats equivalentes (WhatsApp, Signal, Telegram, etc) também não serão obrigados a suportar chat por RCS. Estas exceções são essenciais para assegurar a disponibilidade de equipamentos a baixo preço e para quem não tem interesse em utilizar estas funcionalidades.

Ao nível dos operadores de rede, sugere-se que até 2024, todos os operadores de rede no espaço da União Europeia assegurem a ligação de todos os chips de números de telefone móveis ligados às redes dentro da UE ao sistema RCS, bem como assegurar capacidade de resposta ao tráfego gerado. Salienta-se que havendo já produtos equivalentes não se prevê um aumento de tráfego, havendo no entanto a necessidade de prever a sua circulação por outras ligações de rede, uma vez que deixará de haver concentração em apenas alguns servidores da UE. Os operadores deverão também desenhar as suas redes com o apoio da Protecção Civil de forma a assegurar a sua resiliência em caso de isolamento da rede.

Ao nível dos sistemas operativos, sugere-se que até 2024, todos os sistemas operativos deverão disponibilizar uma solução de RCS, devendo ter como mínimas as seguintes características:

- oferta de chat e videochamada individual;
- interligação a qualquer outra APP concorrente;
- encriptação através do protocolo Signal

Estes serviços mínimos poderão ser acompanhados por quaisquer outros serviços dentro da mesma APP, não podendo, no entanto, ser sacrificada a sua provisão e qualidade. Saliente-se a não inclusão de chats e chamadas de grupo, uma vez que não são essenciais ao desígnio da transmissão de informação segura, individual e manutenção de meios de ligação em situações extremas.


7. Conclusão:

A criação de serviços de saúde pública, proteção civil e segurança que utilizem os potenciais do chat e videochamada depende da existência de uma rede descentralizada e resiliente, cuja implementação se encontra já em concretização por toda a Europa. Esta proposta regulatória é, no entanto, essencial para assegurar a encriptação, ubiquidade e resiliência pretendidas para estes serviços base e para o desenvolvimento de soluções integradas ao redor das mesmas, excluindo o menos número possível de pessoas.
Assim é promovida a universalização de dois protocolos (um de comunicações e outro de encriptação) já existentes, testados e amplamente utilizados de forma a acelerar o desenvolvimento das soluções de proximidade ao cidadão nestas áreas.
Sabendo que uma parte relevante desta petição será apenas exequível se executada a nível da União Europeia, o desenvolvimento das estruturas nacionais com estes objetivos poderá ser já iniciado em Portugal de forma a implementar já as medidas locais essenciais a estes desígnios, demonstrando e quantificando o seu valor. Um exemplo de implementação poderia ser os RCS em massa pela proteção civil.

Petição 109/XV/1

Petição - Arquivada

Subscritor(es): Hugo Augusto Monteiro Machado


Primeiro subscritor: 1

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