Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República; e
Exmo. Senhor Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias:

Nos termos da Lei 43/90 de 10 de Agosto, que regula o exercício do direito de petição, vem o proponente e signatários apresentar esta petição/representação/queixa ao Parlamento português.

1) Pretendem os signatários desta petição denunciar perante os mais altos representantes da República diversas situações de violação de normas constitucionais no âmbito dos direitos, liberdades e garantias praticadas pela(s) entidade(s) colectiva(s) que representa(m) em Portugal a comunidade religiosa das Testemunhas de Jeová, nomeadamente a denominada “Associação das Testemunhas de Jeová”; e por causa dessas violações sistemáticas e reiteradas, solicitar que o Estado e as autoridades judiciais tomem uma série de medidas com vista a impedir a continuação de tais práticas ilegais, ilegítimas, imorais e atentatórias da dignidade humana. Segue-se a fundamentação desta petição:

ABSTRACTO

2) A Constituição da República Portuguesa [CRP], no seu artigo 41º, garante aos indivíduos a liberdade de consciência, de religião e de culto, considerando a tais como uma “liberdade inviolável”. Os indivíduos no gozo desta liberdade poderão organizar-se em igrejas e comunidades religiosas, as quais são separadas do Estado e “livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto”. Esta conquista democrática deve ser defendida, quer daqueles que a querem destruir, como daqueles que querem dela abusar.

3) A Constituição da República Portuguesa, no artigo 16º, expressamente acolhe como direitos fundamentais aqueles “constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional”, em integração harmoniosa com a Declaração Universal dos Direitos do Homem [DUDH]. O ordenamento jurídico português ratificou a Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1978, e no mesmo ano ratificou também a Convenção Europeia dos Direitos do Homem [CEDH] e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos da ONU. [PIDCP]

4) Como forma de enquadrar legalmente a actividade das igrejas e comunidades religiosas, foi aprovada pela Assembleia da República em 22 de Junho de 2001 a Lei 16/2001, também conhecida como Lei da Liberdade Religiosa [LLR]

5) O Código Civil, Capítulo II, Secção I regula as associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados.

6) A liberdade gozada pelas igrejas e comunidades religiosas quanto à sua organização e exercício das suas funções não é absoluta; a Lei da Liberdade Religiosa reconhece explicitamente a existência de limites, ao aludir à “violação dos limites constitucionais da liberdade religiosa” no Artigo 39º, alínea c). Que limites são esses que podemos encontrar na Constituição? No Artigo 18º do PIDCP afirma-se: "A liberdade de manifestar a sua religião ou as suas crenças só pode ser objecto de restrições que, estando previstas na lei, sejam necessárias para a protecção da segurança, da ordem, da saúde e da moral públicas, ou para a protecção dos direitos e liberdades fundamentais de outrem." Assim, em concordância com a doutrina expressa no PIDCP, a liberdade religiosa encontra limites na protecção dos direitos e liberdades fundamentais de outrem. É necessário ponderar, pois, em casos concretos, o que pesa mais: a liberdade de uma organização religiosa, ou os direitos fundamentais dos indivíduos? Pode permitir-se a uma organização religiosa abusar da sua liberdade para agredir direitos individuais constitucionalmente garantidos?

7) As entidades colectivas religiosas, a despeito da sua liberdade e autonomia face ao Estado, não se podem colocar acima da lei ou fora dela; nem pode o Estado permitir que as comunidades religiosas e suas entidades jurídicas actuem como um ‘Estado dentro do Estado’; nem pode o Estado português presumir que nada tem a dizer ou nada pode fazer quando o comportamento destas organizações viola normativos legais e constitucionais e convenções internacionais que vinculam a República Portuguesa. O artigo 6º da Lei 16/2001 diz que “a liberdade de consciência, de religião e de culto não autoriza a prática de crimes”; e “a lei pode regular, sempre que necessário, o exercício da liberdade de consciência, de religião e de culto, sem prejuízo da existência dessa liberdade”. Havendo denúncias legítimas acerca de violações grosseiras concretas das normas legais que regulam e enquadram as organizações religiosas em Portugal, o Estado pode e deve agir para proteger os seus cidadãos.

CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

8) As Testemunhas de Jeová são uma comunidade religiosa de matriz cristã, com âmbito global e altamente organizada, com uma estrutura hierárquica em pirâmide, análoga a uma estrutura militar, embora sem uma classe clerical claramente distinta. No âmbito de uma congregação local, aos simpatizantes que se preparam para se tornarem Testemunhas de Jeová é dado o nome de “Estudantes da Bíblia”. Quando estes se identificam suficientemente com a comunidade ao ponto de participarem regularmente nas suas actividades de evangelização, passam a ser qualificados de “Publicadores Não Baptizados”. O acto do baptismo marca a iniciação como membro efectivo da comunidade, e todos os assim iniciados, homens e mulheres e até mesmo crianças, são considerados ministros religiosos ordenados, designados como “Publicadores Baptizados”. A partir deste ponto, apenas os indivíduos do sexo masculino podem progredir na hierarquia da ‘organização’. Aqueles que se qualificam para o desempenho de tarefas auxiliares na congregação podem ser designados “Servos Ministeriais” [Diáconos]. Dentre este corpo de auxiliares, os que se venham a qualificar-se para tarefas de ensino e pastoreio são designados “Anciãos” [Presbíteros]. As congregações são depois agrupadas em circunscrições chamadas de “Circuitos”, e cada um destes é administrado por um “Superintendente de Circuito” [Episkopos], que visita cada congregação duas vezes por ano. Por sua vez, os “Superintendentes de Circuito” estão na dependência hierárquica directa do escritório da filial em cada país e a esta reportam as suas actividades. Por sua vez, a filial está dividida em vários departamentos funcionais e é supervisionada por um conselho de administração chamado de “Comissão de Filial”, presidido por um “Coordenador da Filial”. Uma circunscrição de filiais é chamada de “Zona”, à qual é designado um “Superintendente de Zona” itinerante, o qual reporta directamente ao “Corpo Governante”, que é a cúpula dirigente e máxima da ‘organização’.

9) A corporação designada por Watchtower Bible and Tract Society of Pennsilvanya, sediada em Warwick, Nova Iorque, E.U.A. é a principal entidade jurídica usada pelas Testemunhas de Jeová para supervisionar e organizar o culto e a obra das Testemunhas de Jeová a nível mundial. A Associação das Testemunhas de Jeová é, na realidade, uma filial desta corporação multinacional em Portugal e dela depende hierarquicamente.

10) O movimento religioso das Testemunhas de Jeová teve origem no estado da Pensilvânia, E.U.A., na segunda metade do século XIX, inscrevendo-se num movimento protestante mais amplo genericamente conhecido como “Second Great Awakening”, do qual também surgiram os movimentos Baptista, Pentecostal, Evangélico e Adventista. O movimento foi inicialmente conhecido como “Estudantes da Bíblia”, e propunha-se restaurar a pureza das crenças do cristianismo original. A partir de 1917, uma série de cismas dividiram o movimento, e a partir de uma facção sectária que tomou o controlo administrativo da Watchtower Society após a morte do seu fundador, emergiu em 1931 a religião moderna que adoptou o nome de “Testemunhas de Jeová”. Têm como marcas doutrinárias distintivas o seu anti-trinitarismo, a negação da existência de uma alma imortal, uma soteriologia sinergista, uma esperança de salvação eterna dualista (celestial e terrena), o amplo destaque dado ao nome hebraico de Deus (Jeová), a negação da cruz e de imagens religiosas como objectos de veneração, e a sua obra de proselitismo religioso porta-a-porta. Algumas das suas posições doutrinárias, tais como a rejeição de tratamentos médicos com sangue, neutralidade e passividade em assuntos políticos e militares, recusa em celebrar feriados e festividades tradicionais que consideram pagãs, a denúncia feroz de outras religiões cristãs, e o seu proselitismo militante e obstinado que prega a iminência do Armagedom, têm-se revelado polémicas na sociedade.

11) A comunidade religiosa das Testemunhas de Jeová está presente em Portugal desde 1925, tendo sido perseguida durante o Estado Novo, somente obtendo reconhecimento legal em 1974. São um movimento religioso que conta actualmente com cerca de 50.000 aderentes em Portugal e 8,5 milhões em todo o mundo. Em Portugal, a comunidade constituiu uma associação religiosa sem fins lucrativos, denominada “Associação das Testemunhas de Jeová”, com o NIF 592004597, actualmente com sede na Rua do Conde Barão, nº 511, na freguesia de Alcabideche, concelho de Cascais. Esta associação representa juridicamente a comunidade religiosa em Portugal, e solicitou às autoridades a sua inscrição no registo das pessoas colectivas religiosas ao abrigo da Lei da Liberdade Religiosa, a qual foi concedida em 2009. A nível doutrinário e de procedimentos, a Associação das Testemunhas de Jeová segue as directrizes emanadas do chamado “Corpo Governante”, o órgão colegial máximo, actualmente composto por oito homens, ao qual se espera que toda a máquina organizacional, bem como as Testemunhas de Jeová individuais obedeçam prontamente, em toda a linha, sem reserva mental e sem questionar. Aquilo que o “Corpo Governante” escreve ou diz é encarado como sendo a vontade divina, e tem força de lei para as Testemunhas de Jeová, e toma precedência sobre as leis seculares, de acordo com o princípio bíblico: “Temos de obedecer a Deus como governante antes que aos homens” (Actos 5:29)

12) Espera-se que cada Testemunha de Jeová, em qualquer parte, e seja qual for a sua posição hierárquica na ‘organização’ seja inteiramente obediente e submissa às orientações emanadas do Corpo Governante, da Watchtower Bible & Tract Society e suas congéneres; em cada país ou grupo de países, cada filial deve submeter-se às orientações dadas pelo nível hierárquico superior; e em cada congregação os Anciãos são designados com a tarefa de aplicar estritamente as instruções recebidas a nível local. E de todos se espera disciplina, pronta obediência, sem questionar. O motivo fica claro na literatura oficial: ‘A vontade do Corpo Governante é a vontade de Deus. Rebelião contra o Corpo Governante é rebelião contra Deus.’ – A Sentinela, 1 de Junho de 1956, ed. inglês.

13) As políticas seguidas, e as diretrizes doutrinais e de culto que as Testemunhas de Jeová seguem em Portugal não são definidas pela Associação das Testemunhas de Jeová, mas incumbe a esta entidade impor e fazer cumprir nas congregações em território nacional as directrizes que recebem dos seus superiores hierárquicos sediados no estrangeiro. Ao fazer a distribuição de literatura e conteúdos multimédia da Watchtower Bible & Tract Society para as congregações, e ao supervisionar a obra das congregações das Testemunhas de Jeová em Portugal, a Associação das Testemunhas de Jeová assume a responsabilidade legal sobre os conteúdos que divulga e as directrizes que faz cumprir em território nacional.

14) A natureza insular desta comunidade religiosa faz com que seja instilada permanentemente nos seus membros a necessidade de cultivarem um distanciamento com todas as pessoas que não partilhem das suas crenças, a menos, claro está, quando se trata de procurar recrutar tais pessoas para a sua religião. Isto leva a um progressivo isolamento dos membros face às pessoas fora da comunidade religiosa, até que, desejavelmente, todos os relacionamentos significativos sejam circunscritos a pessoas da mesma religião. Nesse momento, o membro fica socialmente dependente do grupo religioso, porque já se alienou da sua família e amigos que não são Testemunhas de Jeová. Esta é uma técnica comum encontrada também em outras designadas “seitas destrutivas e de alto controle mental”. Isto prepara o terreno para a implementação eficaz de um poderoso instrumento de coerção psicológica: a ameaça de ostracização social.

ALCANCE DESTA PETIÇÃO

15) Os signatários desta petição argumentam que a Associação das Testemunhas de Jeová tem reiteradamente estado em violação dos limites constitucionais da liberdade religiosa desde a sua formação, e deve por esse motivo perder o seu estatuto de entidade religiosa colectiva legalmente reconhecida pelo Estado e ser extinta enquanto entidade jurídica; e a comunidade religiosa das Testemunhas de Jeová só poderá recuperar a dignidade de ser uma religião reconhecida pelo Estado quando provar que deixou de violar a lei e a Constituição da República Portuguesa e os direitos humanos.

16) O objectivo desta petição não visa de modo algum a proibição ou a proscrição da expressão da fé e do culto dos indivíduos que são aderentes das Testemunhas de Jeová; não pretende limitar o seu direito a se reunirem pacificamente para adoração ou divulgarem as suas crenças com vista ao proselitismo, conquanto respeitem a legalidade. No entanto, no que toca à entidade religiosa colectiva que as representa, que organiza a sua obra e o seu culto e que distribui a sua literatura e conteúdos multimédia, o caso é bem diferente e deve merecer o escrutínio atento do legislador e das autoridades judiciárias. Entendemos que devem ser denunciadas as práticas desta entidade religiosa que constituem um reiterado e continuado desprezo pela lei, pelas instituições e pela própria dignidade do ser humano, que são de tal modo graves e perigosas para a sociedade, que se torna imperioso que o Estado intervenha decisivamente para lhes pôr termo, à semelhança do que vem acontecendo em outros países, onde comissões estão sendo criadas para investigarem tais práticas.

OBJECTO DA PETIÇÃO

17) Na mira desta petição estão as políticas implementadas pela Associação das Testemunhas de Jeová no que diz respeito ao tratamento dispensado àqueles que, por algum motivo, deixaram de ser membros da comunidade religiosa, e o impacto profundo que têm na vida daqueles que são afectados por elas.

18) Entre as Testemunhas de Jeová existem três categorias de pessoas que deixam de ter participação na vida da comunidade: Os “inactivos”, que ainda são Testemunhas de Jeová baptizadas, mas que deixaram de participar por mais de seis meses consecutivos na obra de evangelização e que se afastaram da assistência regular aos cultos; os “desassociados”, que são aqueles cuja filiação como membros foi cancelada em resultado de questões disciplinares; e os “dissociados”, que voluntariamente renunciaram à sua filiação religiosa. A cada ano, estima-se que cerca de 150.000 membros em todo o mundo tenham a sua filiação cancelada através da desassociação e/ou dissociação. A extrapolação para Portugal permite estimar este número em, pelo menos, 800 pessoas por ano. O número dos que se tornam “inactivos” será seguramente ainda maior.

19) Quando existem suspeitas ou denúncias de prática de conduta pecaminosa grave por parte de um membro baptizado da congregação, os anciãos deverão conduzir uma investigação para apurar os factos. Se for reunida evidência suficiente, ou se houver uma confissão, é então formada uma “comissão judicativa”, composta por pelo menos três anciãos. Este colectivo funciona simultaneamente como Polícia Criminal (investigando os factos e alegações), Ministério Público (instruindo o processo e formulando a acusação), Tribunal (julgando o caso, absolvendo ou condenando) e Sistema Penal (administrando a punição). Fica claro que neste sistema não há garantias de um processo justo e equilibrado para o acusado, dado o nível de secretismo e discricionariedade, e frequentemente são cometidos abusos. Quando este tribunal eclesiástico decide que o transgressor não mostrou suficiente grau de arrependimento e se decide pela desassociação, é feito um anúncio lacónico à congregação: “[Fulano] não é mais uma Testemunha de Jeová.” O mesmo anúncio é dado no caso de uma dissociação. Em ambos os casos não é revelado à congregação as razões da desfiliação.

20) Com efeitos imediatos, a seguir ao anúncio à congregação, tem início o processo de ostracização social completa do agora ex-membro. Isto implica que o(a) desassociado(a) ou dissociado(a), ainda que seja um menor, é cortado do relacionamento com os seus anteriores companheiros de crença, mesmo que se tratem de amigos ou familiares, os quais estão proibidos de lhe dirigirem palavra, nem que se trate de um simples cumprimento de cortesia. Como veremos, as implicações concretas desta política são terríveis, tanto para o ex-membro, como para as próprias Testemunhas de Jeová que continuam a pertencer à comunidade. Desde 2016 que as Testemunhas de Jeová foram instruídas a estenderem a ostracização também aos “inactivos”, ainda que estes continuem a ser contados como membros da congregação, mas que devido ao seu afastamento do grupo são considerados como sendo “más associações”.

COMO FUNCIONA A EXCOMUNHÃO NAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

21) A liderança das Testemunhas de Jeová advoga que os membros da congregação devem evitar todo e qualquer contacto social com os desassociados ou dissociados, por forma a mostrar obediência a Deus e à sua organização, evitar a contaminação e corrupção moral e espiritual dos que se afastaram, e para punir o errante e fazê-lo compreender o quanto perdeu por ter saído da comunidade, esperando que isso o motive a regressar. O radicalismo desta política vai ao ponto de evitar até mesmo uma banal saudação de cortesia, como um “olá”, apenas porque isso poderia dar origem a uma conversação.

22) Esta rígida ostracização social aplica-se a qualquer indivíduo, ainda que este seja menor de idade, ou membro de família imediata, e envolve qualquer tipo de contacto, seja ele presencial, ou sob a forma de telefonemas, videoconferência, email ou mensagens electrónicas. São feitas três excepções: a) no caso de membros da família imediata que ainda vivam sob o mesmo teto; b) no caso de trabalhadores no mesmo local de trabalho cujas tarefas impliquem que tenham de interagir ou relações comerciais contratuais pré-existentes; c) no caso de parentes próximos que sejam co-cuidadores de dependentes e que precisem de coordenar os seus esforços. Mesmo nestes casos, as conversas sobre assuntos “espirituais” estão banidas, e o contacto deve ser restringido ao mínimo indispensável. Chega-se a sugerir que a Testemunha de Jeová considere mudar de local de trabalho ou cancele a relação comercial, apenas para poder evitar o contacto inevitável com um colega “desassociado” ou “dissociado”. Quem não agir em escrupuloso cumprimento destas regras é rotulado de “desleal” a Deus e à ‘organização’ e pode ser prejudicado por isso. A insistência reiterada na manutenção do contacto, ainda que seja com um filho, filha, pai ou mãe ou irmão ou irmã, é considerada um pecado grave de deslealdade e rebelião, e pode em última análise, resultar na desassociação do rebelde.

23) Em literatura e material multimédia distribuídos pela Associação das Testemunhas de Jeová, o Corpo Governante promove ensinos tais como os seguintes:

a) Tal como os transgressores da Lei de Moisés no Israel dos tempos bíblicos eram condenados à morte por apedrejamento, e assim não mais poderiam ser contactados pelos seus familiares e amigos, também os que saíram da religião das Testemunhas de Jeová estão agora mortos em sentido espiritual, e assim os seus parentes e amigos não mais podem ter contacto com eles.

b) Mesmo tratando-se de um familiar que não more mais na mesma casa, é dito textualmente: “talvez seja possível não manter nenhum contacto” com tal parente, indicando claramente que se espera que uma Testemunha de Jeová leal evite qualquer contacto com um parente que deixou de ser um membro baptizado da comunidade, a menos que surja um caso de força maior. É dado como exemplo concreto o caso de avós e netos que terão de cortar laços porque não habitam na mesma casa.

c) A única forma de retomar os laços com familiares que abandonaram ou foram expulsos da congregação é apenas e só se esses decidirem retornar à sua condição de membros baptizados, se aprovados após um humilhante período de penitência e reabilitação, que usualmente não é inferior a um ano. Só então, após a readmissão formal ser anunciada, as Testemunhas de Jeová estão autorizadas a reatar contactos e relações com os familiares que foram desassociados ou se dissociaram. Cinicamente, a ostracização é chamada de “uma acção necessária e amorosa”.

d) Uma Testemunha de Jeová não poderá comparecer a uma reunião social (tal como a uma festa de casamento) onde esteja presente um desassociado, mesmo que se trate de um familiar. Se for surpreendido por essa situação, deverá retirar-se ou deverá ser solicitado ao desassociado que se retire. Caso a Testemunha de Jeová não se retire, ainda que não haja contacto, será repreendida e alguns privilégios removidos. No caso de se tratar de um homem com um cargo na congregação, perderá esse cargo.

e) A culpa pela ostracização é sempre colocada do lado da pessoa que foi desassociada ou se dissociou. ‘Ele causou o sofrimento a si mesmo’ e ‘ele causou grande dor aos seus familiares’ são expressões comuns. Nunca a culpa é atribuída a uma política opressiva e injusta ou colocada do lado de quem activamente ostraciza o seu semelhante. A organização é a voz de Deus e a sua interpretação da Bíblia é a única válida. A ênfase é sempre colocada no sofrimento e na dor dos que ficam, e pouca consideração é dada ao sofrimento daquele que sai. A culpa é sempre imputada a quem sai porque, afinal de contas, ‘ele deveria saber como eram as regras do jogo’.

f) Os pais que tenham um filho(a) em casa que tenha sido desassociado ou se tenha dissociado são incentivados a exercerem pressão contínua sobre o filho(a) no sentido de voltar a associar-se com a congregação.

g) Mesmo que um desassociado visite um Salão do Reino (local onde são conduzidas as reuniões das Testemunhas de Jeová), ninguém lhe deverá dirigir uma palavra ou cumprimento, e se o desassociado tentar falar com alguém, (excepto talvez um ancião que ocasionalmente se disponibilize para o escutar em privado), todos se deverão afastar do contacto com essa pessoa.

h) As Testemunhas de Jeová devem não só odiar a conduta errada da pessoa que foi desassociada ou se dissociou, mas devem também odiar a própria pessoa, porque a sua conduta é inseparável da sua pessoa. Com referência àqueles que se afastam por motivos de dissidência, designados de “apóstatas” e que são alvo de ódio especial, a organização escreve: “Estando limitados pelas leis das nações em que vivemos e também pelas leis de Deus através de Jesus, só podemos tomar acções contra os apóstatas até um certo limite, que é aquele consistente com as leis das nações. As leis terrenas e a lei de Deus por meio de Cristo proíbem-nos de matar os apóstatas, ainda que eles sejam membros relacionados com a nossa família carnal (…) as leis da terra em que vivemos requerem de nós que estejamos sob uma obrigação da lei da natureza que vivamos e nos relacionemos com apóstatas que vivam sob o mesmo teto.”

i) Pais Testemunhas de Jeová são incentivados a despejarem de suas casas os seus filhos desassociados caso estes não ponham fim à conduta pecaminosa que os levou a serem expulsos. Isto tanto pode incluir um jovem que se recuse a deixar de ter uma vida sexual activa sem estar casado, como alguém que consuma tabaco, ou um dissidente crítico da organização das Testemunhas de Jeová.

j) Tal como Jeová não permitiu ao sacerdote Arão chorar a morte dos seus dois filhos que foram executados por terem desrespeitado o altar do Tabernáculo, mostrando assim que apoiava os julgamentos de Deus, assim também os pais Testemunhas de Jeová não devem fraquejar e permitirem-se ter contacto com os filhos que se afastaram da congregação, porque assim estão a mostrar lealdade aos julgamentos de Deus.

k) A organização das Testemunhas de Jeová chega ao ponto de sugerir às Testemunhas de Jeová, cônjuges de pessoas que se tornaram críticas da religião ou mesmo dissidentes, que estas podem legitimamente separar-se de seus cônjuges caso sintam que a sua espiritualidade esteja em risco.

24) Em congressos promovidos pela Associação das Testemunhas de Jeová são frequentemente relatadas como exemplos a seguir, experiências em primeira mão de Testemunhas de Jeová que ostracizam membros da família directa que foram desassociados ou se dissociaram, incluindo pais idosos, às vezes por décadas, e vitimizam-se com o quanto lhes dói terem de fazer isso, mas que o fazem a bem da “lealdade a Jeová e sua organização” e porque isso é uma “expressão de amor” para com os que são ostracizados. E a audiência glorifica tais atitudes com sentidos aplausos!

25) A insistente propaganda de ódio leva as Testemunhas de Jeová a terem uma paranóia quase generalizada e uma fobia irracional a qualquer expressão de dissonância face às doutrinas e instruções emanadas do Corpo Governante. É promovido um clima em que todos se vigiam e delatam uns aos outros, ainda que se trate de um cônjuge ou filho, num tipo de ambiente que em tudo lembra a sociedade distópica opressiva, descrita por George Orwell na sua obra “1984”. Quando toca a falar sobre os que saíram em discordância de consciência com as doutrinas e práticas promovidas pelo Corpo Governante, e que são pejorativamente rotulados de “apóstatas”, a retórica de ódio reservada a tais é elevada a outro nível de sordidez, perfeitamente enxovalhante e aviltante, quer na matéria impressa, quer nos púlpitos das congregações ou dos congressos, ou em vídeos, tendo estes inclusivamente sido chamados de “mentalmente doentes” e comparados a ‘porcos sujos’ nas suas publicações. Tudo isto sob os auspícios da Associação das Testemunhas de Jeová, agindo em nome da Watchtower Bible & Tract Society.

COMO A POLÍTICA DE OSTRACIZAÇÃO PROMOVIDA PELAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ TEM VIOLADO DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS

26) Não se procura com esta petição contestar o direito de cada igreja ou comunidade religiosa definir normas e critérios sobre a filiação e a exclusão de membros.

27) Naturalmente, que cada indivíduo pode, em liberdade e em sã consciência, escolher com quem se quer associar ou não se associar. Mas essa é uma escolha que deve ser pessoal, livre de coação ou condicionamento indevido e não imposta por uma qualquer organização religiosa ou de outro tipo. A nenhuma instituição neste país deveria ser permitido ensinar o ódio e a discriminação e ostracização social de outras pessoas. A ostracização social promovida institucionalmente por uma organização religiosa não é aceitável numa sociedade democrática e tem de cessar.

28) Pela própria admissão da literatura publicada e distribuída pela Associação das Testemunhas de Jeová, a ostracização imposta pelo ensino da Organização, causa incalculável sofrimento tanto aos perpetradores como às vítimas. Na realidade, os perpetradores da ostracização tornam-se, também eles, vítimas da ostracização. E porquê? Porque não é natural e não é uma escolha livre. Porque vem acompanhada de uma ameaça: Quem não cumprir será rotulado de “desleal” e poderá também acabar expulso e ostracizado. Esta regra iníqua e chantagista imposta por uma instituição religiosa tanto viola a lei, como viola a mais básica dignidade humana.

29) É um imperioso de consciência denunciar em concreto como esta política de tratamento dispensado aos ex-membros tem severos impactos negativos nas vidas tanto das ex-Testemunhas de Jeová, como na vida das próprias Testemunhas de Jeová que permanecem afiliadas com a igreja, e como estão por causa dela a ser violados direitos, liberdades e garantias individuais fundamentais protegidas pela nossa constituição e por convenções internacionais.

30) A política de ostracização social advogada pela Associação das Testemunhas de Jeová viola de forma directa e de forma indirecta preceitos constitucionais e convenções internacionais que obrigam a República Portuguesa no que concerne aos direitos fundamentais do homem. Alguns exemplos:

Artigo 13º da CRP: “Princípio da Igualdade. (…) 2 - Ninguém pode ser (...) prejudicado, privado de qualquer direito (...) em razão de religião, convicções políticas ou ideológicas, (...) ou orientação sexual.”

Artigo 24º da CRP: “Direito à vida. 1 – A vida humana é inviolável”.

Artigo 25º da CRP: “Direito à integridade pessoal. 1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável. 2. Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos.”

Artigo 26º da CRP: - “A todos são reconhecidos os direitos (…) ao bom nome e reputação.”

Artigo 37º da CRP: 1 – “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento e palavra (…) sem impedimentos ou discriminações. 2 – O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer forma de censura.”

Artigo 41º da CRP: “2. Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos (…) por causa das suas convicções ou prática religiosa.”

Artigo 43º da CRP: “1 – É garantida a liberdade de aprender e ensinar”.

Artigo 46º da CRP: “3 – Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação nem coagido por qualquer meio a permanecer nela.”

Artigo 47º da CRP: “Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública 2 – Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade (…)”

Artigo 18º da DUDH: “Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.

Artigo 19º da DUDH: “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”

Artigo 9º da CEDH: “1- Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou colectivamente, em público ou em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos.
2- A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou colectivamente, não pode ser objecto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, a segurança pública, a protecção da ordem, da saúde e moral públicas, ou a protecção dos direitos e liberdades de outrem.”

Artigo 10º da CEDH: “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver uma ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem consideração de fronteiras. (…) 2. O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a (…) condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática para (…) a protecção da honra ou dos direitos de outrem.”

Artigo 2º da LLR: “1 – Ninguém pode ser (…) prejudicado, perseguido, privado de qualquer direito (…) por causa das suas convicções ou prática religiosa.”

Artigo 7º da LLR: “Os conflitos entre a liberdade de consciência, de religião e de culto de uma pessoa e de outra ou outras resolver-se-ão com tolerância, de modo a respeitar o quanto possível a liberdade de cada uma.”

Artigo 8º da LLR: “A liberdade de consciência, de religião e de culto compreende o direito de: (…) g) Agir ou não agir em conformidade com as normas da religião professada, no respeito pelos direitos humanos e pela lei”.

Artigo 39º da LLR: “c) violação dos limites da liberdade religiosa”.

31) De um modo ou de outro, a política de ostracização advogada e imposta às congregações pela Associação das Testemunhas de Jeová colide e viola os normativos acima citados.

32) A ameaça de excomunhão e consequente ostracização social é factor determinante em muitos casos em que Testemunhas de Jeová se confrontam com situações médicas que podem requerer o uso de tratamentos com sangue, tais como a administração de transfusões. As publicações e instruções confidenciais distribuídas aos anciãos das congregações mostram claramente que alguém que aceite voluntariamente receber uma transfusão de sangue, mesmo que o faça para salvar a sua vida numa situação de emergência, será considerada como tendo-se dissociado voluntariamente da congregação, e consequentemente ostracizada, nem lhe sendo sequer dado o direito de defesa. Este tipo de ‘excomunhão falsamente voluntária’ é um expediente cínico usado pelas Testemunhas de Jeová para poderem dizer perante a opinião pública que não expulsam ninguém por aceitar transfusões de sangue. Embora em tese, o direito de um paciente adulto poder recusar um tratamento médico por questões de consciência deva seja respeitado, até que ponto isso é feito em plena liberdade de consciência, quando existe uma ameaça de expulsão e ostracização que o coage a agir de um modo em que coloca desnecessariamente em risco a sua integridade física? Ou pior, quando essa ameaça de ostracização coloca em risco a vida de terceiros — crianças ou pais idosos incapacitados — porque a Testemunha de Jeová é chamada a decidir por eles enquanto cuidador? Quantas Testemunhas de Jeová ou seus filhos já morreram porque o terror da ostracização os levou a recusar tratamento médico essencial para a preservação da sua vida? Demasiadas, tanto em Portugal como um pouco por todo o mundo. A inviolabilidade da vida humana e o direito à integridade física das pessoas são princípios de direito que se sobrepõem ao direito de liberdade de consciência e de crença, porque são anteriores a estes. Coagir alguém a abdicar desse direito em nome da liberdade religiosa é criminoso.

33) O direito à integridade moral, ou seja, o respeito pela honra e dignidade humana, que também é inviolável, é espezinhado pela prática da ostracização social que acompanha a desassociação ou dissociação. Em qualquer regime jurídico-penal, existe a preocupação de que a pena aplicada seja proporcional ao crime cometido. No caso das Testemunhas de Jeová, a pena única de excomunhão e ostracização social total é aplicada a uma série de “pecados” que vão desde o uso de tabaco ao adultério, do homossexualismo, ao abuso de álcool, do sexo pré-marital à ‘apostasia’, da celebração de aniversários ao uso de drogas recreativas. A mesma pena única é também aplicada àqueles cujo único “pecado” foi desejarem desligar-se da religião por dela discordarem ou simplesmente porque deixaram de sentir o apelo da espiritualidade. A penalidade da ostracização é perpétua, porque durará até à morte do indivíduo, a menos que ele retorne à congregação. Perguntamos: Com que direito uma comunidade religiosa castiga disciplinarmente e de forma perpétua alguém que, por se ter desligado da comunidade, já não está sob a alçada disciplinar da comunidade? Com que direito impõe aos membros da comunidade que sejam também eles punidos com a privação do convívio dos que lhes são queridos, quando eles mesmos não cometeram nenhum “pecado”? E caso o errante decida retornar à congregação, terá ainda de passar por um período vexante de cerca de um ano, em que terá de assistir regularmente aos cultos, duas vezes por semana, sem que ninguém seja autorizado a interagir com ele, até que possa ser readmitido na comunidade. Entendemos que estes são atentados contra a dignidade humana, tratos cruéis, degradantes e desumanos.

34) O medo bem real da ostracização por parte de amigos e de familiares é particularmente pungente no caso de jovens de tenra idade e de pessoas que sofrem ou têm propensão para perturbações afectivas e de personalidade. Existem muitos jovens que foram criados em famílias de Testemunhas de Jeová e que não foram persuadidos pela doutrinação, mas que ainda assim foram condicionados a se baptizarem com medo de desagradarem aos familiares, e que esse desagrado resultasse na sua rejeição e ostracização! Mas, quando a continuidade na participação da comunidade religiosa se torna insuportável, esses jovens têm de lidar com intenso e prolongado sofrimento psicológico, por causa do medo de serem ostracizados, mesmo pela sua família imediata. Esse continuado sofrimento psicológico leva ao desenvolvimento ou ao despoletar de crises de perturbações afectivas e de personalidade que se podem revelar fatais, devido ao risco de suicídio. São relatados casos de suicídios de ex-Testemunhas de Jeová que não conseguiram suportar o isolamento social que se seguiu à sua desassociação/dissociação. Estudos revelaram que o isolamento social forçado é uma eficaz técnica de tortura psicológica. O psicólogo Kipling D. Williams observa: “[A ostracização] é um acto de agressão, e pode ser tão destrutivo, até mortal, para o indivíduo que é o alvo, como também para aqueles que a praticam, uma vez que, quanto mais a ostracização é mantida no tempo, tanto mais difícil se torna pôr-lhe um fim.” O mesmo investigador, escreveu: “Os psicólogos Roy Baumeister e Mark Leary argumentaram que a pertença a um grupo é uma necessidade – não um desejo, nem uma preferência – e que, quando contrariada, leva à doença psicológica e física. O ostracismo é uma ameaça directa a esta necessidade humana básica. A rejeição social também estilhaça a auto-estima, porque tem subjacente uma percepção de conduta imprópria. (…) O ostracismo faz com que a nossa existência pareça diminuída de significado, porque este tipo de rejeição faz-nos sentir invisíveis e nada importantes. De facto, a ruína emocional é de tal ordem pungente, que o cérebro regista-a como dor física”. O ostracismo social pregado pela Associação das Testemunhas de Jeová, e que acompanha a excomunhão da comunidade é pois, uma violação directa do artigo 25º da CRP.

35) Quando é anunciado laconicamente à congregação que um dos seus membros já não é mais uma Testemunha de Jeová, e não se dá qualquer explicação sobre o assunto, ainda que a pedido do próprio, e ninguém está autorizado a se aproximar do desassociado para se comunicar com ele, é comum que a comunidade comece a especular sobre o que sucedeu. Isto leva, não raro, a que se espalhem rumores que causam dano à reputação da pessoa, não só na comunidade religiosa, mas não raro também na sua vizinhança e local de trabalho. Isto atenta contra o direito ao bom nome e à boa reputação do indivíduo.

36) As Testemunhas de Jeová consideram-se grandes paladinos da liberdade de expressão, citando grandes vitórias na corte suprema dos E.U.A. e em outros países onde têm tido inúmeras batalhas legais para verem reconhecidos os seus direitos a pregar e distribuir literatura religiosa sem impedimentos e sem pagar licenciamentos. No entanto, a liberdade de expressão, se vale para garantir a liberdade de uma comunidade religiosa expressar e divulgar publicamente as suas crenças na comunidade em geral, sem receio de sofrer represálias ou condicionamentos injustificados, também deve valer para que os indivíduos dentro dessa mesma comunidade religiosa possam expressar livremente diversidade de pensamento e de opinião; isso talvez se possa traduzir em críticas francas ou em propostas de reforma doutrinal ou organizacional. Talvez tal pessoa não tenha o desejo de sair da comunidade e fundar um grupo sectário. As grandes religiões cristãs permitem um razoável grau de latitude aos seus membros para discordarem e divergirem da doutrina oficial, conquanto se continuem a identificar com os princípios doutrinais centrais da comunidade. Nada disto acontece entre as Testemunhas de Jeová. A diversidade de opiniões é prontamente perseguida e esmagada, e aqueles que não desistem de exprimir uma opinião diferente da doutrina oficial são censurados, depois repreendidos publicamente na comunidade, despojados dos seus cargos na congregação, e em última análise, desassociados sob a acusação de “apostasia”. Naturalmente que é razoável esperar que não se possa tolerar indefinidamente um elemento que, pela sua ostensiva dissidência, não mais se identifica com a comunidade. Porém, a maior parte dos que foram desassociados por ‘apostasia’ foram-no por discordarem de poucos, ou até mesmo apenas um ensino ou prática promovidas pelo Corpo Governante e recusaram retratar-se ou abster-se de discutir o assunto com outros. Foram simplesmente expulsos e ostracizados perpetuamente pelo mero delito de opinião. É uma hipocrisia flagrante que a Associação das Testemunhas de Jeová pugne por ser reconhecida ao abrigo de uma Lei que protege a liberdade de expressão religiosa, mas que, no seu seio, censure, discrimine, persiga, esmague e expulse aqueles que expressam diversidade de pensamento, de convicções ou de prática religiosa. Ao condenar o indivíduo desassociado/dissociado à ostracização social, as Testemunhas de Jeová tanto discriminam como privam o indivíduo do seu direito à dignidade e ao convívio com os que ama, por causa das suas convicções ou prática religiosa. Isto é uma violação flagrante dos artigos 37º e 41º da CRP, dos artigos 9º e 10º da CEDH e dos artigos 18º e 19º da DUDH.

37) O direito à livre expressão não é um direito absoluto que permite a um indivíduo ou colectividade dizer ou escrever tudo o que quiser. No livro “Manual On Hate Speech”, de Anne Weber, publicado pelo Conselho da Europa, a autora menciona que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos afirmou em vários julgamentos que "tolerância e respeito pela igual dignidade de todos os seres humanos constituem um dos fundamentos de uma sociedade democrática e plural. Sendo assim, por questão de princípio, considera-se necessário que certas sociedades democráticas penalizem e inclusive proíbam todas as formas de expressão que espalham, incitam, promovem ou justificam ódio baseado em intolerância (incluindo intolerância religiosa)". A retórica de ódio nas publicações e discurso das Testemunhas de Jeová que é dirigida contra aqueles que são excomungados e mais acentuadamente, contra os rotulados de “apóstatas” causa grandes danos morais àqueles que simplesmente se limitaram a não abdicar das suas convições e da sua liberdade de pensamento e consciência, mas que diferiam daquelas constantes na doutrina oficial do Corpo Governante. Esta retórica destina-se a reforçar junto dos crentes o seu repúdio aos dissidentes, para que assim os possam continuar a ostracizar socialmente. Novamente, isto é um atropelo aos mais básicos direitos humanos e uma violação do Código Civil português.

38) Quando o artigo 9º da CEDH afirma o direito à liberdade de mudar de religião ou crença e até de divulgar essa mudança, em público ou em privado; e que tal direito de manifestar essas convicções não pode ser objecto de restrições senão aquelas constantes na lei; perguntamos: Que direito têm as Testemunhas de Jeová de decretar a ostracização social de um indivíduo que simplesmente decidiu mudar de crença, ou que decidiu até não ter qualquer crença? A liberdade de mudar não existe, conquanto esteja presente uma coação moral que ameace a pessoa com a possibilidade de retaliações muito danosas. Mais uma vez, a ostracização social que acompanha a excomunhão revela-se uma violação de direitos humanos fundamentais.

39) Quando um membro da congregação das Testemunhas de Jeová dá sinais de dissonância face às doutrinas e práticas oficiais, essa pessoa é imediatamente pressionada pelos mais próximos a suprimir essas dúvidas ou críticas; quando o assunto chega ao conhecimento dos anciãos, estes são instruídos a assediar e acossar o indivíduo no sentido de calar e desistir desses pensamentos dissonantes. Os anciãos são instruídos pela Associação das Testemunhas de Jeová a procurar extrair do indivíduo a resposta à pergunta quanto a se acredita ou não que o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová é o legítimo representante de Deus e de Cristo na terra. Caso o indivíduo não responda satisfatoriamente a essa questão, (ou seja, de forma categórica e afirmativa), está condenado a ser desassociado por apostasia. O mesmo se dá com o indivíduo que exerça uma orientação sexual homossexual. Ou com o indivíduo que expresse convicções políticas. Em todos estes casos, serão desassociados e condenados ao ostracismo, sendo assim prejudicados e privados de direitos em razão da sua religião, orientação sexual e convicções politico-ideológicas, em violação do Artigo 13º da CRP e do Artigos 2º e 8º da LLR.

40) A coação psicológica exercida pelo instrumento da ameaça de ostracismo social que acompanha a desassociação/dissociação está desenhado para reter na comunidade o membro, numa espécie de situação de refém. Ora, visto que a congregação das Testemunhas de Jeová é, na realidade, uma associação de indivíduos que se congregam para um objectivo comum, e que cada congregação das Testemunhas de Jeová guarda registos detalhados sobre cada um dos seus membros, registos esses que são partilhados com a Associação das Testemunhas de Jeová, argumentamos que assim é violado o Artigo 46º da CRP, que diz que ninguém pode ser coagido a permanecer numa associação. E as crianças, filhos de Testemunhas de Jeová, que são coagidos psicologicamente – e por vezes fisicamente – pelos seus progenitores e familiares a serem baptizados ainda na fase pré-adolescente; não são esses obrigados a fazer parte de uma associação, em violação do normativo constitucional?

41) A Associação das Testemunhas de Jeová dissemina publicações e conteúdos multimédia, e patrocina seminários, discursos onde vilifica a educação superior. É feita a apologia do abandono escolar logo após completar a escolaridade mínima obrigatória, e tenta-se por todos os meios desencorajar os jovens de cursarem a universidade. Existem instruções confidenciais escritas em manuais para anciãos, em discursos proferidos por representantes da Associação das Testemunhas de Jeová perante anciãos, e em cartas dirigidas aos anciãos congregacionais pela Associação das Testemunhas de Jeová, ameaçando os Anciãos e Servos Ministeriais com a destituição dos seus cargos na congregação, caso permitam que os seus filhos ingressem num curso universitário. Não estamos perante uma violação frontal da Constituição, porque se trata de uma forma de restrição da liberdade desses jovens poderem aprender conhecimentos avançados num curso universitário que escolherem? Não é isto um atentado contra o direito plasmado no Artigo 43º da CRP?

42) Embora a Constituição e a Lei 16/2001 garantam o direito à objecção de consciência com relação ao serviço militar, a objecção de consciência permanece um direito e não um dever. Mas entre as Testemunhas de Jeová espera-se que todos os jovens, quando convocados para o serviço militar, ou para o Dia da Defesa Nacional, invoquem o estatuto de objector de consciência para se recusarem a comparecer. No entanto, quem, dentre as Testemunhas de Jeová baptizadas, entender em boa consciência que a comparência ao Dia da Defesa Nacional não constitui um acto de violação da neutralidade cristã, mas simplesmente o cumprimento de um dever cívico – conforme a lei o considera – e comparecer a esse acto, ver-se-á ‘excomungado de modo falsamente voluntário’ através da dissociação e consequentemente ostracizado. Ainda que, antecipadamente, tal jovem declare que não considera em consciência tal acto como uma desvinculação da igreja e que pretende continuar a ser membro, ele será considerado dissociado e ostracizado. Este proceder cínico é altamente censurável e tem como objectivo evitar a acusação de que expulsam membros por simplesmente cumprirem com uma lei do Estado. Visto que a Lei de Defesa Nacional (Lei 174/99 de 21 de Setembro), no seu artigo 58º, número 1, determina que a não comparência ao Dia da Defesa Nacional implica a ineligibilidade para o exercício de funções públicas, a imposição aos jovens Testemunhas de Jeová da escusa de comparência ao DDN através da invocação do estatudo de objector consciência implica que o seu direito e liberdade para aceder à função pública está a ser cerceado, em violação de uma garantia constitucional. Assim, argumentamos que a política de excomunhão e consequente ostracização dos ex-membros praticada pelas Testemunhas de Jeová limita de forma inaceitável aos seus membros os direitos ao livre acesso à função pública garantidos pelo 47º da Constituição.

43) As políticas de ostracização social a ex-membros das Testemunhas de Jeová causam objectivamente todo o tipo de discriminações que prejudicam a sua vida. Veja-se o exemplo de um casal de Testemunhas de Jeová com uma filha pequena. Os pais da esposa são também Testemunhas de Jeová, ao passo que os pais do marido nunca tiveram qualquer relação com a religião. A filha do casal, menor e ainda não baptizada, tem acesso livre tanto aos avós maternos como paternos, embora os avós maternos passem mais tempo com a neta em virtude de ambos assistirem às mesmas reuniões do culto das Testemunhas de Jeová. Entretanto, por causa de notícias veiculadas pelos media concernentes às Testemunhas de Jeová que os perturbaram, os pais da esposa decidiram dissociar-se e não mais serem considerados membros da comunidade religiosa. Como não moram na mesma casa, a filha e o genro, em obediência às directrizes da Organização, cortam relações com os pais da esposa e impedem a filha menor, não baptizada, de ter contacto com os avós maternos. Mas não a impedem de continuar a ter contacto com os avós paternos, que nunca tiveram qualquer relação com a religião. Percebe-se por este exemplo que se passa na vida real como os avós maternos são prejudicados e discriminados por causa das suas convicções por serem ex-Testemunhas de Jeová, face aos outros avós paternos que nunca foram membros da religião?

44) Relatam-se casos de pais Testemunhas de Jeová que expulsam os seus filhos de casa (alguns até menores de idade), só porque estes deixaram de ser membros da congregação, em obediência aos ensinos promovidos pela Associação das Testemunhas de Jeová.

45) Relatam-se casos de suicídio de pessoas que não aguentaram o isolamento social a que foram remetidos por causa da ostracização total a que foram submetidos depois de serem expulsos da comunidade e perderem assim a sua única rede de apoio que tinham na vida.

46) Um aspecto muito preocupante da política de ostracização praticada pelas Testemunhas de Jeová, é como ela tem sido utilizada para silenciar vítimas de abusos sexuais de menores ou vítimas de violência doméstica. Sendo que, na esmagadora maioria dos casos, esses crimes são presenciados apenas pelo agressor e pela vítima, e tendo em conta a regra interna imposta pelo Corpo Governante, segundo o qual uma acusação só pode ser sustentada pelo depoimento de duas Testemunhas, e caso o agressor se recuse a admitir a transgressão, acontece muitas vezes que é a palavra da vítima contra a do agressor e os anciãos nada fazem para impedir a continuação dos abusos sobre aquela vítima e proteger a congregação. Muito menos se preocupam em proteger a comunidade em geral de um potencial agressor sexual. Pior: não é incomum que a vítima de abusos seja acusada de mentir e difamar e ameaçada de excomunhão, com o consequente ostracismo. Não só não tomam a iniciativa de reportar o caso às autoridades, escudando-se no chamado “segredo eclesiástico” com o intuito primordial de proteger o bom nome da organização religiosa, a expensas do sofrimento da vítima, como ainda procuram desencorajar a vítima de ela própria apresentar o caso perante as autoridades. Houve casos no passado de vítimas de abusos sexuais de menores que foram desassociadas em retaliação por terem reportado os seus casos às autoridades, sob o pretexto de terem admitido relações sexuais antes do casamento! Claramente, a ostracização social praticada pelas Testemunhas de Jeová tem outras consequências menos óbvias, mas muitíssimo graves, e que constituem uma ameaça à sociedade.

47) Por exemplo, na Austrália, uma comissão independente denominada Australian Royal Comission Into Institutional Responses To Child Abuse investigou como as igrejas naquele país lidaram com os crimes de abuso sexual de menores ocorridos no seio das suas comunidades religiosas. No caso das Testemunhas de Jeová, foi apurado que, entre 1950 e 2015 foram registados 1006 casos distintos de molestadores sexuais nas suas congregações, e nenhum desses casos foi reportado às autoridades. No relatório do inquérito, a comissão concluíu que “ficou demonstrado que a prática da ostracização é parte estrutural da resposta institucional dada ao abuso sexual” na comunidade das Testemunhas de Jeová. A comissão constatou a prática da comunidade de ostracizar aqueles indivíduos que, tendo sofrido abusos sexuais no seio da congregação e por membros da comunidade, e sentindo que a comunidade falhou em os proteger e defender, decidiram que não era mais suportável permanecerem como membros dela. A comissão concluiu que “a prática das Testemunhas de Jeová de ostracizar os membros que se dissociam da organização tem o real potencial de colocar o sobrevivente de abuso sexual na insuportável posição de ter de escolher entre o constante reviver do trauma por ter de partilhar a comunidade com o seu abusador, ou perder a inteira comunidade de uma só vez.” “A política de ostracização daqueles que deixam a organização (...) pode ser particularmente devastadora para quem sofreu abuso sexual no seio da comunidade e dela deseja sair, porque sentem que as suas queixas não foram adequadamente consideradas, ou porque se permitiu ao seu abusador permanecer na congregação”. Assim, autoridades independentes têm verificado o efeito devastador da política de ostracização sobre ex-Testemunhas de Jeová, no caso dos sobreviventes de abusos sexuais. As mesmas regras têm sido impostas pela Associação das Testemunhas de Jeová em Portugal.

48) É de uma ironia cruel e hipócrita que a liderança das Testemunhas de Jeová escreva isto na sua revista Despertai! de Julho de 2009, p.28-29: “Ninguém deve ser obrigado a adorar a Deus de uma forma que ache inaceitável nem a escolher entre a religião e a família.” É muito bonito dizer isto quando se tenta recrutar alguém de outra religião para se juntar às Testemunhas de Jeová; mas é precisamente esta a situação em que se irá encontrar a Testemunha de Jeová baptizada se passar a discordar de doutrinas e práticas da sua religião. Não raro, o indivíduo é de facto confrontado com a difícil situação de ter de escolher entre a religião e a família. Abandonar a religião das Testemunhas de Jeová significa em muitos casos perder a família. E depois, há a chantagem implícita: o indivíduo pode ter a sua família e os seus amigos de volta, mas só se voltar a aderir à religião.

49) A intolerância e a dureza com que as Testemunhas de Jeová tratam qualquer um no seio da sua comunidade que expresse idéias dissonantes com a prática ou doutrina oficial está em conflito com o Princípio da Tolerância enunciado no Artigo 7º da LLR.

PORQUE O ESTADO E AS AUTORIDADES PRECISAM INTERVIR

50) Recordemos a citação popularmente atribuída a Edmund Burke: “A única coisa que o mal precisa para triunfar é que as pessoas boas não tomem acção”.

51) O Estado português, que chamou a si a regulação da actuação das comunidades religiosas no respeito pela sua diversidade e liberdade de culto, deve ser chamado a intervir quando uma igreja ou comunidade religiosa viola os limites constitucionais da liberdade religiosa e viola a própria Lei que regula a liberdade religiosa.

52) Os porta-vozes da Associação das Testemunhas de Jeová declaram-se publicamente ‘cidadãos cumpridores da lei e pagadores dos seus impostos’, mas a verdade é que sempre que as leis seculares incomodam os seus interesses, eles agem em completo desprezo pelos governos humanos, uma vez que na verdade a sua sujeição às leis e aos governos é meramente relativa. E existe uma doutrina defendida pelo Corpo Governante, comumente conhecida em inglês como “theocratic warfare” [“guerra teocrática”], segundo a qual as Testemunhas de Jeová estão moralmente autorizadas a mentir ou ocultar informação perante as autoridades legislativas e judiciais para protegerem os interesses da “Organização”. Poderá a esse respeito consultar A Sentinela de 1 de Maio de 1957 (ed inglesa), página 285; a Despertai! de 8 de Fevereiro de 2000 p. 21; A Sentinela, de 1 de Junho de 1960, (ed inglesa) p. 351, 352, apenas como exemplo.

53) Não surpreende, pois, que a Associação das Testemunhas de Jeová esteja preparada para mentir perante os legisladores e autoridades judiciais deste país, a fim de proteger os interesses da “organização” sempre que for inquirida. Foi isso o que aconteceu quando se apresentaram como candidatos à inscrição no registo de pessoas colectivas religiosas ao abrigo da Lei 16/2001, tendo que cumprir os pressupostos legais previamente necessários? Tal não seria implausível; e talvez o Estado português tenha falhado no seu dever de diligentemente verificar estes pressupostos. A doutrina das Testemunhas de Jeová relativamente ao tratamento dispensado aos ex-membros não sofreu qualquer alteração significativa desde que foi tomada a decisão de as reconhecer legalmente em 2009. De facto, a sua posição é bastante explícita desde a desde a décadas de 1950 e 1960, e foi agravada no início da década de 1980, e desde 2009, se é que houve alguma alteração, ela foi no sentido de endurecer mais a política com relação ao tratamento dispensado aos ex-membros, conforme uma leitura atenta do revisado manual de procedimentos para anciãos congregacionais “Pastoreai o Rebanho de Deus”, publicado em 2010, permite perceber. Estavam verificados em 2009 os pressupostos para que a Associação das Testemunhas de Jeová fosse reconhecida pelo Estado português? Nem em 2009, nem agora.

54) Não contestamos o direito de uma comunidade religiosa a definir as suas normas de conduta internas e praticar a excomunhão dos impenitentes, desde que essas normas sejam razoáveis e não violem os direitos fundamentais dos indivíduos. No entanto, no caso da excomunhão, conforme praticada pelas Testemunhas de Jeová, temos de separar o acto da expulsão da prática subsequente da ostracização do ex-membro, por serem duas coisas distintas, mas que este grupo religioso teima em confundir para seu próprio proveito.

O QUE PRETENDEMOS:

55) O Estado falhou no seu dever de fiscalização quando aceitou inscrever a Associação das Testemunhas de Jeová no registo de pessoas colectivas religiosas, estendendo assim a esta organização religiosa a proteção legal prevista na LLR 16/2001; Tal assento deveria ter sido recusado com base na alínea c) do artigo 39º:

“Recusa da inscrição: A inscrição só pode ser recusada por: (…) Violação dos limites constitucionais da liberdade religiosa.”

Verificando-se posteriormente que esses pressupostos não estavam a ser cumpridos à data do assento, esse assento deveria ser considerado nulo. No entanto, não existe nenhuma provisão na lei para a nulidade da inscrição. Este é um dos aspectos a melhorar numa futura revisão da LLR.

56) No entanto, existe uma provisão para o cancelamento dessa inscrição. A LLR prevê, no seu artigo 42º, número 1, alínea d) que a extinção de uma pessoa colectiva religiosa possa ocorrer “por decisão judicial, pelas causas de extinção judicial das associações civis” tendo como implicação “o cancelamento do assento no respectivo registo.” (n.2).

57) Os artigos 182º e 183º do Código Civil, tratando das causas de extinção de associações dizem:

“2 – As associações extinguem-se ainda por decisão judicial:
(…) c) Quando o seu fim seja sistematicamente prosseguido por meios ilícitos ou imorais d) Quando a sua existência se torne contrária à ordem pública.”
e;
“2. Nos casos previstos no nº 2 do artigo precedente, a declaração da extinção pode ser pedida em juízo pelo Ministério Público ou por qualquer interessado.”

58) Visto que nos parece muito evidente que a Associação das Testemunhas de Jeová tem sistematicamente prosseguido os seus fins por meios ilícitos (porque violando a Constituição e a Lei da Liberdade Religiosa e as convenções internacionais sobre direitos humanos) e imorais (porque os decretos emanados do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová e implementados pela filial da Watchtower Bible & Tract Society em Portugal concernentes ao tratamento dispensado aos ex-membros são moralmente condenáveis e atentatórios da dignidade humana), e porque as consequências extremamente gravosas para a vida, saúde mental e física e relações familiares das vítimas são susceptíveis de ameaçar a ordem pública e o bem-estar dos cidadãos, a própria Lei 16/2001 não prevê outro tipo de sanção que não seja a do cancelamento da inscrição por via da extinção por via judicial da associação religiosa.

59) Assim, não nos resta outra solução senão solicitar que os legisladores deste país dêem indicação ao Ministério Público para pedir a imediata extinção da Associação das Testemunhas de Jeová, com a acompanhante implicação o cancelamento imediato do seu assento no registo de pessoas colectivas religiosas; sem prejuízo de eventual responsabilização criminal dos dirigentes e responsáveis da Associação das Testemunhas de Jeová por crimes de discriminação e incitamento ao ódio por motivos religiosos, conforme previsto no Artigo 240º do Código Penal.

60) O Estado, nomeadamente através da Comissão da Liberdade Religiosa, no âmbito das suas competências e ao abrigo do Artigo 5º da Lei da Liberdade Religiosa 16/2001 (Princípio da Cooperação), deverá chamar os representantes da comunidade das Testemunhas de Jeová e de organizações que representem as vítimas destas políticas de ostracização e procurar trabalhar com elas no sentido de este grupo religioso venha a reformar a sua política com relação aos membros e ex-membros por forma a respeitar os seus direitos constitucionais e não mais os oprimir e coagir através de práticas discriminatórias e de ostracização, podendo assim reabilitar-se perante a lei e voltar a ter um estatuto reconhecido pelo estado português.

61) Solicitamos também que a Lei 16/2001 seja revista no sentido de acrescentar um regime sancionatório concreto e eficaz que faça a profilaxia de situações de abuso por parte de entidades religiosas sobre os membros e ex-membros.

62) Solicitamos que seja ponderada em futura revisão da LLR, a introdução do conceito de “idade mínima de consentimento para filiação em comunidades religiosas”, de tal forma a que se impeça que crianças e jovens sem o mínimo de discernimento sobre as sérias implicações futuras da sua decisão possam ser considerados membros efectivos de uma religião; e que, consequentemente, a ameaça de expulsão da comunidade não possa ser usada como arma de coerção psicológica para manter o indivíduo mentalmente cativo a uma comunidade religiosa contra a sua vontade.

63) A prática de desassociação/dissociação acompanhada de ostracismo social radical não faz parte do conjunto de doutrinas centrais das Testemunhas de Jeová (só foi adoptada em 1952) e alterações a esta política institucional não descaracterizarão a comunidade religiosa. Nada obsta a que cessem a comunhão espiritual com os que não mais estão afiliados, desde que de nenhum modo promovam a ostracização social dos antigos membros nem ensinem ou de outra forma exerçam coação sobre os membros da comunidade para que ostracizem os antigos membros.

64) Em conclusão: Achamos importante reafirmar, para que fique bem claro perante a opinião pública, que o objectivo desta petição não é banir ou proscrever a comunidade religiosa das Testemunhas de Jeová em Portugal ou impedir os seus membros individuais de exercer as suas crenças e praticar os seus cultos; antes, procurar persuadir de forma robusta uma entidade religiosa habitualmente absolutista, monolítica, e resistente a qualquer interferência externa a alterar uma prática inaceitável, ilegal, imoral e incompatível com um Estado de direito democrático moderno, e que causa enorme sofrimento humano. No entender dos signatários, a única forma verdadeiramente eficaz de impedir a perpetuação desses abusos é através da retirada do reconhecimento legal dado à Associação das Testemunhas de Jeová, através do cancelamento do seu assento no registo de pessoas colectivas religiosas e recusa de nova inscrição até que se verifique ter esta comunidade religiosa reformado as suas políticas por forma a parar com a violação dos limites constitucionais da liberdade religiosa.

Ricardo Alexandre Dias Pimentel

Petição 239/XIV/2

Petição - Arquivada

Subscritor(es): Ricardo Alexandre Dias Pimentel


Primeiro subscritor: 1

Assinaturas entregues: 1

Assinaturas online: 164

Total de assinaturas: 166


Informação adicional

  • 2021-05-14: Nomeado o relator TELMO CORREIA
  • 2022-05-11: Nomeado o relator PEDRO DELGADO ALVES