A Sua Excelência, o Senhor Presidente da Assembleia da República,
1. O processo administrativo, vigente em Portugal, para realizar a avaliação de desempenho dos docentes (ADD) é iníquo, injusto e inútil (além de prejudicial ao normal e eficaz funcionamento das escolas e gerador de problemas ao seu adequado funcionamento educativo).
2. Estes factos gerais têm sido muito debatidos no espaço público, mas não têm merecido a atenção devida no debate político e legislativo.
3. As consequências para a estratégia educativa do país e para as vidas profissionais e familiares dos docentes são muito negativas e traduzem-se numa sensação generalizada de engano e falsidade da ação do legislador, que não devia manter-se, há tantos anos, em claro, no debate da Assembleia da República.
4. Acresce que, o que se disse, e dirá abaixo, sobre o sistema de avaliação dos docentes, pode também ser afirmado da mesma forma sobre o SIADAP. Assim, a iniquidade e injustiça também afetam, por essa outra via, outros profissionais de educação, gerando graves atropelos ao exercício de direitos dos profissionais das escolas, direitos que deviam ser a matriz inquestionável no nosso Estado democrático ao fim de quase meio século.
5. Na verdade, as proclamadas boas e elevadas intenções legislativas das normas sobre avaliação de desempenho, que aqui se discutem, geram uma prática de procedimentos incompreensíveis e labirínticos, carregada de atos antidemocráticos e arbitrários que inquinam o ambiente regular de funcionamento das escolas. E os efeitos ocorrem, quer considerando o universo de cada agrupamento ou escola, quer o conjunto dos professores de cada escalão de carreira ou do país.
6. As fontes dessas arbitrariedades normativas são múltiplas, sendo, a mais flagrante, a existência de quotas para atribuição final de menções (de aplicação recorrente sem critérios inequívocos e gerais), que se conjugam com a posterior filtragem adicional (que agrava os problemas) por via da aplicação de vagas à progressão de escalões.
7. Uma leitura atenta, ou até mesmo superficial, da confusa floresta normativa da ADD, em prática nas escolas portuguesas, é uma tarefa chocante e constrangedora, porque termina necessariamente com a angústia de se constatar e não se perceber como tal monstro de injustiças, ilegalidades e até inconstitucionalidades pode vigorar e, até, ser apresentado como obra positiva, por sucessivos governos.
8. Isto, apesar de se registar o sinal, bem sintomático, de que uma das suas principais autoras da legislação se recusou a ser avaliada por um sistema similar, quando lhe podia sofrer os efeitos na sua carreira docente no ensino superior.
9. Consciente da perversidade do regime normativo que produziu que, mais que a justiça na avaliação do mérito profissional, visa bloquear e anular os direitos de carreira dos docentes, o legislador introduziu, entre as normas da ADD, algumas sobre proibição de acesso à informação.
10. Na prática, servem de forma radical para impedir o escrutínio das decisões e a eficácia jurídica da contestação dos docentes, vítimas de injustiças e ilegalidades.
11. Referimo-nos, assim, em concreto, às normas que estipulam a confidencialidade genérica dos processos de avaliação de cada docente. Tais normas vêm sendo aplicadas pelos serviços do ministério da educação com zelo bizantino, pois são essenciais aos seus propósitos de bloqueio da justa contestação jurídica ao processo e essenciais à manutenção da situação, já que, só elas ainda contêm e impedem o caudal, potencialmente em cascata, de reclamações.
12. Acresce que tais normas são patentemente inconstitucionais, ao violarem o direito fundamental de acesso à informação administrativa dos interessados no procedimento administrativo e ao contenderem, entre outros, com o princípio geral de transparência que rege toda a atividade administrativa.
13. Na verdade, na prática, um docente, inicialmente avaliado pelos avaliadores que com ele efetivamente contactam, por exemplo, de Muito Bom, pode terminar com uma menor menção de bom (que lhe retira benefícios). Mas, sujeito a esse prejuízo, o docente não consegue, no atual estado de coisas, escrutinar (ou conhecer na plenitude dos seus fundamentos) os critérios e todos os passos, desde o primeiro, que geram o resultado e que terminam com a aplicação das quotas limitativas das avaliações individuais.
14. Se quiser conhecer os motivos pelos quais é excluído da quota, para outros serem incluídos, e vier requerer o acesso completo ao processo de avaliação dos seus concorrentes na mesma quota, obterá a sacrossanta resposta de que "as normas da ADD estipulam que a avaliação de cada um é confidencial."
15. Como se pode contestar uma exclusão danosa, sem conhecer os fundamentos, desde a raiz, que levam outros a serem incluídos? Que garantias podem existir, em tal proceder, contra a arbitrariedade ou a possibilidade de ocorrência de favorecimentos ou de benefícios por favoritismo?
16. Ao ver assim recusado o acesso a documentos essenciais ao conhecimento do fundamento de decisões que os prejudicam, limita-se ilegalmente a defesa dos direitos dos visados, a produção de reclamações, de recursos hierárquicos e até se dificulta o acesso à via judicial para contestar um elemento essencial para a sua realidade profissional e progressão na carreira.
17. Tal situação gera efeitos gravíssimos na capacidade efetiva dos docentes reagirem a injustiças e ilegalidades na aplicação das quotas de atribuição de menções de muito bom e excelente.
18. Este quadro, abusivo e pouco transparente, já instalou a total arbitrariedade e um caos de injustiça no processo, que é, de forma tão acrítica, louvado politicamente pelas suas pretensas virtudes redentoras.
19. Na verdade, a existência de tais normas, que tornam secreta e insusceptível de escrutínio completo, desde a raiz, pelos interessados, a forma como cada agrupamento aplica, no concreto, as quotas de cada menção, encerra uma patente inconstitucionalidade, além de se traduzir na existência, no nosso Estado de Direito, de uma situação que se assemelha aos antigos processos de julgamento inquisitorial, produtores de sentenças definitivas, gravosas e irrecorríveis, com fundamento inacessível porque proibido.
Assim, perante o quadro legislativo e operativo sumariamente descrito, e que cremos ser facilmente acessível aos Senhores/as Deputados/as, requer-se à Assembleia da República que, mesmo antes da necessária alteração e revogação do atual insustentável regime de ADD, proteja os direitos de acesso à informação e à transparência dos que dele são vítimas.
E que tais providências, de produção de normas para proteção de direitos fundamentais, sejam operadas com a urgência que, perante tão graves e generalizados atropelos, se impõe, debatendo e fazendo a alteração legislativa e revogação da referida e nefasta confidencialidade, determinando ao governo a reposição prática da legalidade e da conformidade à Constituição.
Para tal, requer-se que a Assembleia da República crie normas que imponham o direito de acesso e publicidade dos critérios e resultados e permitam, na prática efetiva, o acesso de cada avaliado a todos os dados da avaliação de quem compita pela mesma quota (e pelas mesmas vagas), generalizando a regra da transparência.
Petição 268/XIV/2
Petição - Arquivada
Subscritor(es): Luís Miguel Sottomaior Braga Baptista
Primeiro subscritor: 1
Assinaturas entregues: 1
Assinaturas online: 1565
Total de assinaturas: 1567
Informação adicional
- 2021-11-03: Nomeado o relator SÍLVIA TORRES