Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva:


Esta Petição surge da preocupação para com os efeitos desta Legislação , suas implicações sociais e bem estar dos cães no atual cenário legislativo.

A necessidade de criar a presente petição surge pela consciência do impacto que esta legislação irá ter sobre a forma como a sociedade poderá percepcionar, tratar e actuar sobre a vida destes cães.

Perspectiva-se que cada vez mais os cães definidos pela lei como potencialmente perigosos passem a vida na clandestinidade (ainda mais do que até agora), porque muitos serão os detentores que optarão por não cumprir o exigido pela legislação actual (tornar-se-à insustentável para muitos) e optarão por mantê-los confinados à propriedade, privando-os da devida sociabilização e comprometendo o seu bem-estar. Sem falar que os casos de abandono, negligência e entrega em abrigos e associações vão aumentar substancialmente (o que é já uma realidade).

Através do enquadramento legal do DL nº 315/2009 de 29 de Outubro, alterado pela lei nº 46/2013 de 4 de Julho e portaria n.º317/2015 de 30 de Setembro, são definidos alguns critérios legais, os quais questionamos a sua coerência e enquadramento adequado, designadamente os que de seguida expomos:

1 – «A convicção de que a perigosidade canina, mais que aquela que seja eventualmente inerente à sua raça ou cruzamento de raças, se prende com fatores muitas vezes relacionados com o tipo de treino que lhes é ministrado e com a ausência de socialização a que os mesmos são sujeitos (…), de forma a evitar-se, tanto quanto possível, a ocorrência de situações de perigo não desejáveis».

Neste parágrafo, a referida legislação entra logo em contradição, pois afirma que a perigosidade canina se prende mais com aspetos relacionados com a Educação e socialização do que com factores genéticos, e definindo apesar disso, sete raças que distingue em termos de perigosidade em relação a todas as restantes.

2- «Animal potencialmente perigoso» como qualquer animal que, devido às características da espécie, ao comportamento agressivo, ao tamanho ou à potência de mandíbula, possa causar lesão ou morte a pessoas ou outros animais (…)». Neste seguimento foram então definidas as seguintes sete raças de cães em Portugal:American Pitbull Terrier, American Staffordshire Terrier, Staffordshire Bull Terrier, Rottweiller, Cão de Fila Brasileiro, Tosa Inu, Dogue Argentino.

A contestação surge logo em relação a quem define esta lista, que conhecimentos legítimos tem na área do comportamento animal e que critérios científicos estão na sua formulação. Porquê estas sete raças (sendo que algumas delas existem em muito pouco número em Portugal) e porquê não outras cuja incidência em mordidas a pessoas, acaba por ser muito superior a muitas da lista (Pastor alemão, Labrador e Serra da Estrela, por exemplo). Não faz qualquer sentido a definição de raças potencialmente perigosas basear-se nos actuais critérios (tamanho, força da mandíbula) quando existem outras raças com as mesmas características e que não constam da lista – se assim fosse, esta lista seria interminável, porque qualquer cão de porte médio a grande poderá ser efetivamente potencialmente perigoso.
O impacto que a definição destas raças poderá ter na população tem de ser antecipado e não é de forma alguma, positivo. Temos de considerar que o rótulo tem promovido o medo, a ignorância e a discriminação e o comportamento de evitamento ou hostilidade por parte das pessoas relativamente a essas raças e até em relação aos seus detentores.
As definições destes critérios não têm claramente em conta as investigações e ocorrências reais existentes, pois é notório em muitos países que já tiveram legislações semelhantes que esta medida não conseguiu assegurar a diminuição de incidentes com cães.
A atual legislação está a condenar grupos de animais em vez de indivíduos específicos dentro da espécie, não permitindo uma maior compreensão do comportamento canino na sociedade humana e na consequente prevenção de situações de risco.

3 –«Sempre que o detentor necessite de circular na via pública, em lugares públicos ou em partes comuns de prédios urbanos deve fazê-lo com meios de contenção adequados (…) açaimo funcional que não permita comer nem morder devidamente seguro com trela curta até 1 m de comprimento.»

Esta condição é desde logo discriminatória e fortemente injusta. Porque motivo um cão que nasce de determinada raça e sem qualquer tipo de comportamento perigoso, tem de se sujeitar a estas regras – não seria suficiente o uso de trela tal como é exigido a todos os cães? Ou seja, não será mais urgente educar toda a população geral a que cumpra o básico exigido e que uma grande percentagem dos detentores de animais de companhia não cumpre (registo, chip, vacinação, trela, etc).
O próprio facto de se obrigar a estas ferramentas (açaime e trela curta) compromete desde logo que estes cães tenham direito a desenvolver comportamentos e aptidões naturais da espécie, tais como a devida socialização e o uso do olfacto. Além de que as observações empíricas por especialistas na área do comportamento têm vindo a demonstrar que o uso de trelas curtas gera ansiedade nos cães porque não lhes permitem usufruir de um passeio naturalmente, além de que a habituação ao açaime é por si só exigente para o cão, havendo alguns cães que nunca aceitarão esta ferramenta, o que limitará logo à partida o seu dia-a-dia.

Toda o panorama nacional fica ainda mais preocupante se analisarmos o que tem sido feito no país no último ano, em que após diversas situações conhecidas através dos meios de comunicação social, muitas vezes mais desinformativos do que pedagógicos e informados, as entidades “competentes” se apressaram a aplicar na prática, toda uma Lei que havia já sido definida há 9 anos e sobre a qual não foi feito absolutamente nada e que contém na sua base, demasiadas questões dúbias e para as quais ninguém oferece uma resposta clara e satisfatória . Nem a DGAV, nem a PSP e a GNR souberam apresentar respostas concretas a muitas das questões que esta legislação levanta (embora os segundos e terceiros nada têm a ver com a sua formulação).
Neste último ano, decidiu-se implementar o Artigo 21.º que refere a obrigatoriedade de treino:

4 - «Os detentores de cães perigosos ou potencialmente perigosos ficam obrigados a promover o treino dos mesmos, com vista à sua socialização e obediência, (…)».

Aqui surge a maior incoerência e inconsistência desta Lei, assim como possíveis efeitos a longo prazo que se afiguram como muito comprometedores, se analisarmos a forma como as coisas têm sido feitas na prática.
É referida a existência de apenas uma prova escrita, que avalia conhecimentos, mas questionamos como permite esta prova avaliar a competência em contexto? E os detentores terão uma formação de 4 horas com um conteúdo formativo bastante extenso e complexo para a duração da mesma. Quais os critérios técnicos e científicos que foram utilizados para que essa duração, metodologias e conteúdos sejam suficientes? Além de que analisando os conteúdos da mesma Formação e tendo em conta as entidades responsáveis pela mesma (GNR, PSP), questiona-se legitimamente a competência e conhecimento específico deste grupo de profissionais, para um treino diferenciado e adequado no que respeita ao treino civil sobre os cães de companhia - e até mesmo se questiona a verdadeira disponibilidade destes agentes dadas as inúmeras responsabilidades que já fazem parte da sua actividade profissional!
A especialização das equipas policiais de cinotecnia recai sobre Cães operacionais e de trabalho e contextos muito específicos – terão eles as devidas competências para dar Formação civil sobre cães de companhia?
A DGAV afirma reconhecer, no 6º parágrafo da introdução da portaria 317/2015:

5 - «No que às entidades certificadoras de treinadores de cães perigosos ou potencialmente perigosos concerne, não define a lei qual a entidade competente para tal».
Neste contexto, a presente Portaria, refere ainda a experiência da Guarda Nacional Republicana (GNR) e da Polícia de Segurança Pública (PSP) na utilização de meios cinotécnicos, reconhecida pela DGAV, determinando serem estas as entidades competentes para certificar treinadores de cães perigosos e potencialmente perigosos. É do conhecimento público que o desempenho destas forças policiais no treino de cães está relacionado com o desempenho de funções de trabalho (segurança, pistagem de estupefacientes e explosivos, ordem pública), não lhes sendo reconhecida qualquer competência para o treino de animais de companhia, sendo desses animais que esta legislação trata. Estes animais sejam eles Potencialmente Perigosos ou Perigosos, antes de qualquer outro rótulo são animais de companhia, logo o ambiente que os envolve é distinto dos treinos operacionais efetuados pelas forças policiais e incluir tudo na mesma caracterização é falacioso e induz em erro.
Constatamos ainda que as matérias publicadas na legislação englobam na sua maioria temáticas de âmbito operacional e desportivo, fora da realidade e necessidade social, assim como as provas práticas exigidas, que são baseadas em provas desportivas, não respeitando as características naturais e individuais da espécie no aspeto social onde está inserida e as próprias limitações que muitos cães possam ter para as efetuar.

Além de tudo isto, a referida Lei não contempla em que momento é avaliado o cão de cada detentor e em que momento é averiguado em que condições está o cão, suas rotinas e seus comportamentos. De que vale uma Formação teórica se não se tem em consideração o animal em si, a sua individualidade e a capacidade daquele detentor em relação ao seu cão em específico.
Além de que esta Formação obrigatória, implicará uma despesa acrescida a cada detentor, para a qual não existe qualquer tipo de apoio do Estado, assim como uma tabela dos preços a praticar pelos respetivos “Treinadores Certificados” que poderão cobrar o que bem entenderem por aulas a estes detentores, com o objetivo de em última fase serem sujeitos a uma prova de Obediência avançada (BH), em que o cão terá de fazer uma quantidade de exercícios de obediência de alta exigência, sob pena de ser considerado “inapto” - e cujas consequências para o cão em si, são francamente questionáveis para o bem estar e possível futuro do cão.
Questionamos ainda: de que forma estes exercícios padronizados e robóticos, caraterísticos de uma prova de obediência desportiva, em contexto controlado vão permitir concluir o que quer que seja sobre o temperamento daquele cão e/ou o tipo de detentor que o guia? E se por Lei, estes cães têm de andar sempre de trela e açaime da via pública – porque motivo exigem que estes detentores façam exercícios sem trela, de 30 metros em “junto”, com paragens e o cão ficar afastado do dono na posição do “fica” – qual a utilidade no dia-a-dia destes exercícios para estes cães e seus detentores?
Levantamos ainda a dúvida sobre quais os meios utilizados para garantir que aquele cão atinja os objetivos? Corre-se o risco de existirem Treinadores e detentores a causar danos graves nos cães através de métodos de treinos coercivos, em que os fins justificarão os meios – quem garantirá o mínimo de ética e respeito pelo bem-estar daqueles cães a fim de atingir um objetivo exigido por Lei?

Neste âmbito, queremos ainda relembrar que a profissão de Treinador, não é uma atividade reconhecida pela autoridade económica do nosso País, sendo uma profissão que não está legislada nem regulamentada. Logo, é com estranheza que assistimos a um salto, no que concerne a Formação de Treinadores para cães Potencialmente Perigosos e Perigosos, sem que antes se proceda a profissionalização da profissão de Treinadores. A partir do momento que não existe o reconhecimento profissional da atividade em Portugal, que critérios de análise serão utilizados para autorizar formadores externos que tenham “experiência ou formação profissional na área cinotécnica”, e quem os irá supervisionar e avaliar? Alguém que obtém um certificado para “lidar” com cães Potencialmente Perigosos, também fica certificado a treinar com animais Perigosos. Recordamos que animais Perigosos são essencialmente animais que por qualquer motivo já manifestaram um qualquer “ataque”. Logo tratar-se-à de um animal que revela problemas a nível comportamental. Enquanto um cão Potencialmente Perigoso, pela lei pertence a uma lista pré-criada, e não significa que esse cão tenha alguma vez deferido um “ataque”. Logo são situações distintas, que a formação deverá refletir e ter em consideração e na prática, não tem, de todo.

Muitas mais incongruências e questões poderiam ser aqui expostas, no entanto, estes são os pontos fundamentais pelos quais justificamos que esta legislação necessita de ser severamente escrutinada e revista.

Perante o exposto, a presente petição pretende:

1. Revisão da atual legislação através da consulta a entidades com formação e prática no treino e comportamento animal reconhecida pela investigação e conhecimento científico.

2. Reavaliação dos critérios e implicações subjacentes à definição de raças de cães perigosos e potencialmente perigosos através da criação de uma comissão independente e técnico-cientificamente validada.

3. Mais investimento político na Educação, Sensibilização, Responsabilização e Fiscalização do cumprimento de medidas de bem estar animal nas suas diversas vertentes sociais e legais.

4. Enquadramento da formação para os detentores dos animais de companhia em geral, sem discriminação de raças mas direcionada a todos os detentores (sejam privados, associacoes, clubes, criadores...)

5. A necessidade de todas as pessoas que queiram ter um animal de companhia terem formação adequada devidamente facultada pelas juntas de freguesia e autarquias, como já é praticado em muitos dos países europeus, permitindo que as pessoas conheçam melhor os animais, suas necessidades, potencialidades e limitações, atuando na prevenção efetiva de acidentes futuros.

6. Mais educação nas escolas para o respeito pelos direitos e bem estar dos animais bem como educação para o correto relacionamento interespecies.

7. Investimento em mais espaços adequados para a socialização de animais de companhia.

8.Fiscalização do cumprimento de medidas sobre a atitude dos detentores em via pública, assim como do cumprimentos das condições de bem-estar e de saúde animal,sempre através da informação, pedagogia e reforço de medidas de apoio ao cumprimento da lei.

9. Promoção de debates transparentes e formação de jornalistas/órgãos de comunicação social nesta área de forma a que as notícias veiculadas sejam efetivamente informativas e pedagogicamente úteis, por oposição à veiculação de mensagens estereotipadas, desinformação e geradoras de medo/ preconceito sobre pessoas e animais.

10. Garantia de treinos que não recorrem a medidas coercivas nem negativas na educação/comportamento dos animais

11. Devida certificação e profissionalização da profissão de Treinador de Cães, reconhecida como Profissão devidamente certificada e fiscalizada, seguindo as bases científicas atuais e adequadas ao exercício da profissão.

Obrigado.

Petição 76/XVI/1

Petição - Recolha de assinaturas concluida

Subscritor(es): Eneida Cardoso


Primeiro subscritor: 1

Assinaturas entregues: 2565

Assinaturas online: 753

Total de assinaturas: 3319


Anexos



Informação adicional

  • 2024-09-30: Nomeado o relator JOANA LIMA