"(Nota: para ver a petição num formato mais agradável e com gráficos, ou para mais informações:
https://sites.google.com/view/emcadavotoigualdade )"


Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República,
Exmas. Senhoras Deputadas à Assembleia da República,
Exmos. Senhores Deputados à Assembleia da República,


Os cidadãos abaixo-assinados apresentam, nos termos da Constituição e da lei, a seguinte petição, denominada:
“Em cada voto igualdade: de harmonia com o princípio da representação proporcional”, com vista à reforma da lei eleitoral da Assembleia da República.

As primeiras eleições livres em 25 de Abril de 1975 conferiram mandatos de apenas um ano, e o grande objectivo da Assembleia era escrever uma nova Constituição. O sistema eleitoral usado nestas circunstâncias particulares acabou por manter-se, praticamente inalterado, até hoje.
Ao longo do tempo os resultados desse sistema eleitoral afastaram-se cada vez mais do espírito da Constituição, que sempre disse, “A conversão dos votos em mandatos far-se-á de harmonia com o princípio da representação proporcional”. Este princípio, foi detalhado por Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua Constituição anotada [1], como: “À face da Constituição, e de acordo com o princípio democrático, o sistema eleitoral é um meio de fazer da Assembleia da República um espelho político do país e não um meio de fabricar maiorias lá onde elas não existem”.
Este espelho cada vez distorce mais a realidade, por vários motivos, entre eles a diminuição do número de deputados, a desertificação do interior e o surgimento de novos partidos.
Além da proporcionalidade, também tem vindo a diminuir a satisfação geral com o sistema eleitoral, bem como a taxa de participação nas eleições.

Já em 1982 António Guterres reconhecia problemas nos círculos eleitorais (cujo desenho influencia a proporcionalidade), no afastamento entre eleitores e eleitos (numa altura em que a abstenção era de apenas 16%!), e na subordinação dos últimos face às direcções dos partidos, e apontava para um sistema semelhante ao alemão, e mais tarde para o voto preferencial.
Em 1985 era o PSD, através de uma comissão que integrava Jorge Miranda e Marcelo Rebelo de Sousa, a propor o redesenho dos círculos eleitorais, e a criação de um círculo nacional (previsto na Constituição desde 1989) [2].

Esta vontade de mudança culminou com o processo legislativo de 1998 [3], onde o Governo PS de António Guterres, e o PSD, liderado por Marcelo Rebelo de Sousa, apresentaram duas propostas semelhantes, com círculos uninominais (elegem apenas um deputado), e um círculo nacional para garantir a proporcionalidade, ambas inspiradas no sistema alemão (que por lá só gerou uma maioria absoluta, em 1957, na única vez que um partido obteve mais de 50% dos votos). No relatório do Governo referia-se que “na Assembleia da República devem estar representadas todas as forças políticas significativas e na exacta medida do seu peso” [4].

O PCP e o CDS manifestaram preocupação sobre uma possível redução da proporcionalidade, escondida na complexidade das propostas.
A isto o PSD respondia que “a proporcionalidade será sempre assegurada de acordo com o resultado obtido no apuramento do voto nacional”.
E o PS afirmava querer “afastar qualquer suspeição em relação à engenharia eleitoral, às tentativas de viciar a proporcionalidade ou a quaisquer outras metodologias de ganhar na secretaria aquilo que se perde nas urnas.”

O número de deputados, fixo em 230 na proposta do Governo, e variável entre 184 e 230 na proposta do PSD, talvez tenha sido o principal motivo que impossibilitou o acordo.
Na década seguinte tanto o PS [5] como o PSD [6] viriam a apresentar projectos de lei semelhantes, mas sem qualquer consequência.

Assim, o sistema manteve-se, e os níveis de abstenção e de desproporcionalidade continuaram a aumentar.
Nas eleições de 2019 e 2022, ocorreram os exemplos mais extremos de ambos os problemas.
Pela primeira vez:
a abstenção superou os 50%;
um partido não está no Parlamento apesar de ter mais votos do que outro com esse direito;
um grupo parlamentar tem menos deputados do que outro com menos votos;
foi obtida uma maioria absoluta com menos de 42% dos votos;
os maiores partidos atingiram um “desconto” de 50% no número de votos por deputado face aos restantes partidos (20.000 votos por deputado para PS e PSD, 40.000 para os restantes), uma desproporcionalidade superior à do Reino Unido, cujo sistema maioritário é a antítese dos sistemas proporcionais.

Estas tendências reforçam a urgência desta reforma, que já é falada há mais de 40 anos. Tanto o PS como o PSD continuaram a incluir propostas de alteração nos programas eleitorais, e o PSD colocou mesmo a reforma do sistema eleitoral no topo das “reformas inadiáveis” nos programas de 2019 e 2022.

Apesar de tudo nada mudou, e pelo menos na opinião de Paulo Pereira, ex-deputado eleito pelo PS, “por iniciativa exclusiva dos partidos, sem nenhum contributo da sociedade civil, nem em 2050 teremos uma alteração ao sistema eleitoral” [7].

Nos depoimentos de um livro [8] de Rui Oliveira Costa sobre reforma eleitoral, de 2009, também Luís Marques Mendes (ex ministro e líder PSD) partilha esta opinião quando afirma: “Todas as pessoas reconhecem que os partidos precisam de um choque vital, abrindo-se à sociedade (...) mas poucos acreditam que os partidos tenham capacidade para se auto-reformarem. A verdade é que só um impulso vindo de fora obrigará os partidos a mudarem”
E algumas figuras destacadas do PS e do PSD apontam um motivo comum para a reforma não acontecer, apesar de todos os problemas apontados ao sistema actual:

Francisco Pinto Balsemão (ex primeiro-ministro e líder PSD): “Como é óbvio, nenhum partido, sobretudo nenhum dos grandes, essenciais para a indispensável maioria de dois terços, votará uma lei eleitoral que possa conduzir ao seu enfraquecimento”.

Jorge Sampaio (ex Presidente da República e líder PS): “Ao nível estritamente partidário, qualquer proposta nesta matéria é sempre vista na perspectiva da contabilidade política dos ganhos e perdas, potenciais, que uma nova lei eleitoral pode trazer a cada um dos partidos representados na AR ou que a esta aspire”.

António Vitorino (ex ministro PS e relator da proposta do governo em 1998): “por via de regras os partidos partem para a alteração da lei eleitoral munidos de uma máquina de calcular (...) para aferir a projeção das alterações nas suas probabilidades eleitorais”

Curiosamente no relatório [9] da proposta inicial do Governo em 1997 referia-se que este tipo de preocupações precedeu por muito as máquinas de calcular, ao resumir assim o sistema português no século XIX: “O desenho dos mapas eleitorais, estava dependente de critérios eminentemente políticos, o objectivo era quase sempre o mesmo: a perpetuação no poder das elites instaladas, tentando, ao mesmo tempo, diminuir cirurgicamente as áreas de influência dos adversários políticos".

Este não é um problema único de Portugal, mas as mudanças vão acontecendo, e um bom exemplo é a Nova Zelândia [10], que passou de um sistema maioritário para um sistema com proporcionalidade quase perfeita, uma alteração mais drástica do que qualquer proposta para Portugal.
Foi na sequência de resultados particularmente injustos, com menos votos a resultaram em mais deputados, que a insatisfação e a pressão da sociedade para a mudança atingiram níveis máximos. Apesar da resistência dos partidos do poder, a mudança para a proporcionalidade aconteceu.
Em 1993, nas últimas eleições com o sistema antigo, houve a 20ª maioria absoluta consecutiva (com apenas 35% dos votos). No novo sistema seguiram-se 8 eleições sem maiorias absolutas, mas que nunca originaram eleições antecipadas.

Com esta petição pretendemos contribuir para esse processo de mudança.

Os objetivos são claros:
Contribuir para a reforma do sistema eleitoral, em linha com o consagrado na Constituição, e garantir a igualdade dos votos em Portugal. Isto vai permitir que a Assembleia da República possa reflectir melhor a vontade nacional, e impossibilitar as situações claramente injustas já referidas, que põem em causa a confiança no sistema.
Aliado a isso, “aproximar eleitores e eleitos”, com a hipótese dos eleitores escolherem deputados, e não apenas partidos, e assim fomentar a participação eleitoral.

Já em 1998 eram estes dois os objectivos essenciais da reforma proposta pelo governo, numa altura em que a desproporcionalidade e a abstenção estavam longe dos actuais níveis extremos.
António Costa, na altura Ministro dos Assuntos Parlamentares, explicava [11] que a “proporcionalidade é reforçada porque (...) com a criação do círculo nacional, devolve-se utilidade a todos os votos, de todos os partidos, em todo o território nacional”, e, “com esta reforma, o eleitor ganha maior liberdade, deixa de estar limitado à escolha do partido, passando a poder escolher também o seu Deputado”, pelo que “O partido terá de se abrir à sociedade, terá de partilhar com os cidadãos a escolha dos seus representantes”.
Faz ainda uma referência à importância e urgência de reformar o sistema: “É este novo equilíbrio entre os partidos, sem os quais não há democracia, e os cidadãos que aqui vos propomos, porque, como já em 1989 dizia aquele que é o pai fundador da nossa democracia representativa, Dr. Mário Soares, «se quisermos que a Democracia tenha seiva e não entre em degenerescência, temos de enfrentar esse problema sem rodeios». Enfrentemos, pois, este problema sem rodeios”.
Menciona ainda que num livro sobre este tema “dizia o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa: «Deixar tudo como está, será irresponsável. É patente o distanciamento entre representantes e representados e o divórcio cada vez maior entre eleitos e eleitores, o que muito tem a ver com o carácter obsoleto do nosso sistema eleitoral»”.
Faz ainda uma referência aos 25 anos do 25 de Abril, comemorados naquela legislatura, e uma questão que podemos repetir nesta, em que se vão comemorar os 50 anos: “Digam-me, Sr.ªs e Srs. Deputados, se há ou não condições para aceitarem partilhar o poder dos partidos com os cidadãos.”

Estes objectivos também estavam presentes na proposta do PSD em 1998, e foram reafirmados em moldes semelhantes ao longo do tempo, por partidos (sendo os exemplos mais recentes, PSD 2019 [12], PS 2019 [13], IL 2022 [14]) e pela sociedade civil (APDQ/SEDES 2019 [15]).

Todas essas propostas foram inspiradas no sistema alemão, com os seus círculos uninominais complementados por um círculo nacional, e um duplo voto, aliando proximidade e proporcionalidade. Isto parece bem à primeira vista, mas implica uma tremenda complexidade, incentiva o voto insincero, dá resultados irracionais, e aumenta a burocracia do sistema, entre outros problemas que irão ser detalhados. Por tudo isso fomos buscar inspiração a outros países, que respondem ainda melhor a estes problemas, com sistemas mais simples, lógicos, e que nunca foram declarados inconstitucionais pelo seu Tribunal Constitucional.


Terminada esta introdução, a petição está dividida em mais três partes:
1. Análise de sistemas eleitorais existentes;
2. Análise de propostas dos partidos para Portugal;
3. A nossa proposta para Portugal.



1. Análise de sistemas eleitorais existentes:

Além de Portugal vamos analisar:
Espanha, por ter um sistema semelhante ao nosso, embora num cenário cultural e constitucional muito diferente;
Reino Unido, por ter um sistema de círculos uninominais, que já foram propostos para Portugal como “a cura para diversos males”;
Alemanha, por ter o sistema que mais serviu de inspiração a propostas de partidos e da sociedade civil, onde se conjugam círculos uninominais com um círculo de compensação;
Países Baixos, pelo sistema de proporcionalidade quase perfeita, com um único círculo nacional e voto preferencial/pessoal;
Dinamarca, por conciliar uma alta proporcionalidade com círculos locais, e permitir aos partidos partilhar o seu poder com os cidadãos.

A análise vai ser feita às eleições desde o ano 2000, e compreende os seguintes parâmetros: abstenção máxima e mínima; número de eleições; maiorias absolutas com respectiva percentagem dos votos; número de eleições antecipadas e se originaram troca de partido ou primeiro ministro na liderança do governo.
Adicionalmente, para a eleição mais recente é apresentado o número de partidos presentes e a percentagem adicional de votos necessários para os partidos pequenos elegerem um deputado, face aos dois maiores.

Portugal
Abstenção entre 36 e 51%
7 eleições, duas maiorias absolutas com 45% e 41% dos votos
4 eleições antecipadas, 3 delas com troca de partido
Actualmente no Parlamento: 8 partidos, dois deles com apenas um deputado
Votos adicionais por mandato nos partidos pequenos: +100% (ou seja, o dobro dos votos)

Espanha
Abstenção entre 24 e 34%
8 eleições, duas maiorias absolutas com 45% dos votos.
4 eleições antecipadas, duas com troca de partido
16 partidos, 10 deles regionais
Votos adicionais por mandato nos partidos pequenos: +47%

Reino Unido
Abstenção entre 31 e 41%
6 eleições, 4 maiorias absolutas com 35% a 44% dos votos
Duas eleições antecipadas, ambas com troca de primeiro ministro
10 partidos, sete deles com um foco regional
Votos adicionais por mandato nos partidos pequenos: +87%

Alemanha
Abstenção entre 21 e 29%
6 eleições, sem maiorias absolutas
Uma eleição antecipada, com troca de partido
7 partidos, um deles regional com apenas um deputado
Votos adicionais por mandato nos partidos pequenos: +1%

Países Baixos
Abstenção entre 18 e 25%
7 eleições, sem maiorias absolutas
4 eleições antecipadas, uma com troca de partido
17 partidos, 3 deles com apenas um deputado
Votos adicionais por mandato nos partidos pequenos: +4%

Dinamarca
Abstenção entre 12 e 16%
6 eleições, sem maiorias absolutas
Duas eleições antecipadas
16 partidos, 4 deles regionais
Votos adicionais por mandato nos partidos pequenos: +2%


Vamos agora analisar o efeito que cada sistema eleitoral poderia ter em Portugal, bem como o seu alinhamento com a nossa Constituição.

- Espanha

O sistema eleitoral Espanhol é semelhante ao Português: os deputados são eleitos por regiões sem equilibrar os resultados a nível nacional. Por lá o sistema faz mais sentido porque as regiões são historicamente mais independentes, pelo que qualquer sistema de compensação teria problemas que em Portugal são menos relevantes, como um partido eleger um deputado de Madrid graças aos votos obtidos na Catalunha ou no País Basco.

As Constituições também são diferentes neste aspecto. A Constituição Portuguesa permite a existência de um círculo nacional, diz que: “Os Deputados representam todo o país e não os círculos por que são eleitos”, e proíbe a constituição de “partidos que, pela sua designação ou pelos seus objetivos programáticos, tenham índole ou âmbito regional”.

A Constituição Espanhola não tem pontos equivalentes. Assim, existem partidos que disputam as eleiçoes apenas na sua região, onde chegam a ser os mais votados, como o “Esquerra Republicana de Catalunya”, ou o “Partido Nacionalista Vasco”.

Em Portugal, a Constituição exige partidos e deputados que representem todo o país (o que contribui para a unidade do Estado), mas o sistema eleitoral não está em sintonia com esse princípio já que, tal como em Espanha, separa os votos de cada círculo e incentiva à sua concentração. Como não há partidos regionais, o incentivo dos pequenos partidos é concentrar os votos nos grandes círculos, onde é preciso uma menor percentagem de votos para eleger deputados, e em particular em Lisboa, que foi por onde chegaram ao Parlamento todos os novos partidos.
Em 2022 bastaram 22 mil votos para eleger um deputado em Lisboa, mas era possível receber 300 mil no resto do país e não eleger nenhum. Foi este efeito que deixou o CDS fora do Parlamento, apesar de ter tido 26% mais votos que o Livre.

A forma de alinhar o sistema eleitoral com aqueles princípios da Constituição, bem como com o princípio da representação proporcional, é fazer a alocação de mandatos a nível nacional. Este mecanismo está presente no sistema alemão que inspirou a maioria das propostas de reforma para Portugal, e permite garantir que todos os votos do país contam de forma igual para a composição global do Parlamento. Sobre este princípio do artigo 10º da Constituição, Gomes Canotilho escreve [16]: “O princípio da igualdade de voto exige que todos os votos tenham o mesmo peso (consideração igual para a distribuição de mandatos)”, o que está muito longe de acontecer actualmente.


- Reino Unido

No Reino Unido há 650 círculos uninominais, onde o candidato mais votado é eleito, mesmo que tenha menos de 50% dos votos.
Este sistema está aqui para ilustrar dois pontos:
1) A “eleição de proximidade”, com círculos uninominais, não implica uma maior ligação global entre eleitores e eleitos (se aproxima quem vota no único vencedor, afasta todos os restantes), como iremos ver mais à frente, nem implica menor abstenção. O Reino Unido é mesmo o único país deste grupo que já teve abstenções superiores às de Portugal neste século;
2) O voto táctico ou insincero é muito frequente em sistemas com círculos uninominais [17], e os apelos são feitos cada vez de forma mais explícita. No Reino Unido já existem vários sites que sugerem aos eleitores de cada círculo em quem devem votar para bloquear um rival em comum [18].
Recentemente até um ex-primeiro-ministro apelou ao voto, não no seu partido, que ainda apoia, mas ao voto táctico generalizado para bloquear uma maioria absoluta dos rivais [19].


- Alemanha

A Alemanha tem um sistema que inspirou a maioria dos projectos de lei de partidos e dos programas eleitorais recentes sobre a reforma eleitoral.
No sistema alemão cada eleitor tem dois votos:
O local, para eleger um candidato em cada um dos 299 círculos uninominais;
E o nacional, num partido, através do qual são atribuídos pelo menos mais 299 mandatos de compensação [20].
Este sistema de compensação faz com que cada partido receba aproximadamente o mesmo número de votos nacionais por mandato, e permite cumprir a Constituição Alemã [21], que, à semelhança da Constituição Portuguesa, diz que o sufrágio é “igual”, algo que o Bundestag define como “todos os votos têm o mesmo peso na composição do Bundestag” [22].

À primeira vista este sistema consegue o melhor das duas filosofias que também defendemos, proporcionalidade e ligação entre eleitores e eleitos, mas todos os sistemas têm defeitos, e o alemão tem vários, alguns muito graves, que vamos apresentar:

Os 299 mandatos de compensação têm sido cada vez mais insuficientes para corrigir a falta de proporcionalidade resultante das eleições uninominais, em parte devido ao aumento dos partidos no Parlamento. Em 2002 foram necessários 5 deputados adicionais, número que foi crescendo até aos 138 em 2021. Este aumento não tem um limite teórico, e começa a ser tão problemático que já existem propostas para reduzir o número de círculos uninominais de 299 para 280 [23], reduzindo a proporção de deputados eleitos localmente, que nesta altura ronda os 40%.

O voto táctico ou insincero é frequente neste tipo de sistemas, devido à existência de dois votos, que permitem manipular o sistema de compensação. Na Nova Zelândia, dirigentes dos maiores partidos já chegaram a sugerir abertamente que alguns dos seus apoiantes utilizem o seu voto local noutros partidos do mesmo espectro político, de forma a maximizar o número de deputados de uma futura coligação [24]. Na Alemanha um dos partidos chegou a receber mais de metade dos seus votos nacionais emparelhados com votos locais noutros partidos [25].
Uma versão mais extrema desta táctica é usar um “partido-fantoche” para manipular o sistema de compensação sem depender de um eventual parceiro de coligação. Isto ocorreu em Itália em 2001 [26], onde os dois maiores partidos criaram partidos-fantoche, que entre eles elegeram 75% dos deputados locais, com menos de 1% dos votos nacionais, já que os apoiantes foram instruídos a dar apenas o voto local ao partido “fantoche”, e o voto nacional ao partido “a sério”. Esta táctica foi repetida pelos dois maiores partidos da Coreia do Sul em 2020, na primeira eleição com um sistema do tipo alemão, entre outros exemplos [27].

O sistema é confuso para os eleitores. Após 60 anos com o duplo voto apenas uma minoria dos eleitores alemães sabe explicar, de forma muito simplificada, para que serve cada um dos votos (28% num inquérito [28] feito em 2018), quanto mais explicar a táctica dos partidos-fantoche, ou que o voto pessoal, não tendo impacto na proporção de deputados de cada partido, pode fazer o Bundestag crescer de 600 para 800 deputados.

O sistema é complexo para quem o desenha. Em 2005 descobriu-se, por acaso, um problema escondido durante décadas pela complexidade do sistema, e que afectou vários partidos em eleições anteriores: eleitores ao votar no seu partido podiam fazê-lo perder deputados (e podiam dar-lhe deputados ao votar noutros partidos). O Tribunal Constitucional declarou o sistema inconstitucional [29]. Uma nova lei eleitoral apenas foi aprovada em 2011, mas voltou a ser declarada inconstitucional no ano seguinte [30]. O sistema apenas ficou corrigido, até ver, em 2013. Os mecanismos adicionais para evitar este problema tornaram o sistema justo, mas ainda mais complexo [31].
Talvez não tenha sido exagerada uma “estimativa” em 1992 [32] de Neiva Correia, que afirmou sobre o sistema alemão: “99% das pessoas que falam nele não o percebem”. Afinal nem os alemães o entendiam. Jorge Miranda complementou esta opinião no mesmo debate, ao afirmar ter sido “a primeira pessoa que propôs um sistema de tipo alemão” em Portugal, mas que já em 1992 o tinha abandonado por ser “de complicada execução”
Ainda neste tema, em 1998 foi dito no Parlamento: “A proposta de lei do Governo é uma proposta em que um eleitor tem dois votos para três círculos, com quatro formas de apuramento. Sr. Ministro, ninguém percebe este sistema!”

Existe um esforço burocrático de actualização do desenho dos círculos uninominais para compensar variações populacionais, que tem má fama sobretudo nos Estados Unidos devido ao efeito de “Gerrymandering” [33], em que os decisores podem influenciar os resultados das eleições pela forma como desenham os mapas.
É visível a dificuldade deste desenho no território Português quando numa proposta há um círculo com mais 50% de eleitores que a média [34], acima dos 25% permitidos legalmente na Alemanha, e muito acima dos 15% recomendados [35].
Este desequilíbrio é reduzido noutra proposta [8], mas à custa de uma menor integridade entre concelhos. Começando pelo Norte, surgem problemas logo no distrito de Braga: O concelho de Barcelos é dividido, com uma metade agregada a Esposende, e a outra a Vila Verde, e o mesmo acontece no concelho de Braga e no de Guimarães. O autor explica: "A elaboração da proposta de mapa para os círculos uninominais foi difícil e complexa”.
Este é um problema geral dos círculos uninominais, o actual chanceler da Alemanha foi eleito num círculo cujo nome deixa adivinhar alguma complexidade no processo:
Potsdam – Potsdam-Mittelmark II – Teltow-Fläming II.

Outra questão particular são as regiões autónomas. Numas propostas não há círculos uninominais nas regiões autónomas, por ser ainda mais complexa a sua implementação. Nesta variante, algumas propostas excluem também o duplo voto (Governo PS 1998), noutros há duplo voto mesmo sem círculos uninominais (PSD 1998, onde se afirmou que “o princípio do duplo voto tem de ser igual, sem excepção, para todos os eleitores”).
Noutras propostas há círculos uninominais nas regiões autónomas, mesmo tendo de agregar algumas ilhas a partes de outras, talvez como resposta ao parecer da Universidade Católica [36] em 1998 que dizia “Não é admissível que, num Estado Unitário como o nosso, os círculos eleitorais das regiões autónomas sejam excluídos do objectivo da personalização do voto”

Uma nota final sobre como os círculos uninominais traduzem a vontade e a representação dos eleitores Alemães, analisando os resultados do círculo de Merkel em 2017, o último ano em que concorreu, e que ganhou pela oitava vez consecutiva desde 1990 [37]:
Merkel venceu com 44% dos votos pessoais, mas quatro dos derrotados foram eleitos pelas listas nacionais. Assim, ter ganho Merkel ou um dos outros quatro candidatos, seria indiferente para a composição do Bundestag. Além disso, os habitantes desse círculo tiveram, na prática, direito a cinco representantes locais, enquanto outros, com população semelhante, têm direito a apenas um.
Dos nove líderes partidários eleitos, apenas Merkel venceu a sua eleição local, os restantes líderes foram derrotados nos seus círculos, sendo eleitos pelas listas nacionais. A excepção foi Schulz, líder do principal partido da oposição, que foi eleito pelas listas, sem ter arriscado a derrota num círculo uninominal (na eleição de 2013 o seu antecessor arriscou, perdeu, e teve de ser “repescado” pela lista nacional). Sobre isto a Universidade Católica escreveu no parecer de 1998 [36]: “as múltiplas candidaturas [local e na lista], funcionando na prática como um ‘seguro de eleição’ do candidato, são susceptíveis de desvirtuar a personalização almejada pelo sistema eleitoral”.

Em 2021, foi a vez de Laschet, sucessor de Merkel na liderança da CDU, evitar o potencial embaraço de ser derrotado num círculo uninominal.
No antigo círculo de Merkel a vencedora foi escolhida por apenas 25% dos votantes, os restantes ficaram dependentes das listas partidárias para obter representação local.


- Países Baixos

Nos Países Baixos existe um único círculo nacional (que incluiu territórios nas Caraíbas), com 150 mandatos, portanto, ao contrário de Portugal, todos os votos valem o mesmo para a composição do Parlamento. Um partido com 10% dos votos totais recebe 15 mandatos, e se tiver 20% recebe 30.
Em teoria este sistema de círculo único pode levar a uma menor participação, em particular nas zonas menos povoadas, já que nenhum candidato depende delas, e oferecem menor “retorno de votos”. No entanto a abstenção global é baixa, e em 2022 até foi mais baixa fora dos grandes centros populacionais de Amesterdão e Roterdão [38].
Já existiram algumas críticas relacionadas com esta ligação menos próxima entre eleitores e eleitos, e o governo chegou a propor um sistema com metade dos deputados em círculos locais e os restantes num sistema proporcional. A proposta foi alvo de críticas por pôr em causa a proporcionalidade e não dar garantias de melhorar a ligação eleitor-eleito, e o governo retirou a proposta [39]. Assim o sistema sofreu apenas ligeiras alterações desde 1917.
Outra característica é que o voto nos Países Baixos é personalizado: os eleitores podem escolher votar directamente em qualquer dos candidatos. Isto significa que apesar de cada partido propor uma lista de candidatos é possível que o número 10 seja eleito e o número 1 não. Como o círculo é nacional isto implicou, em 2021, mais de 1500 candidatos (o partido mais votado apresentou 80) e um boletim de voto com 1 metro.


- Dinamarca

A Dinamarca usa um sistema de representação proporcional, e a Constituição anotada pela Folketing explica: “um partido com 10% dos votos deve obter aproximadamente 10% dos deputados” [40].
A Folketing tem 179 deputados: dois das Ilhas Faroé e dois da Gronelândia, com regras próprias, e 175 da Dinamarca em si, provenientes de dez círculos locais, agrupados em três regiões.

O processo de alocação dos deputados tem 4 passos fundamentais [41]:
Distribuir 135 mandatos locais, de forma semelhante à de Portugal;
Distribuir 40 mandatos de compensação pelos partidos, com base na votação nacional;
Distribuir os mandatos de compensação de cada partido pelas 3 regiões e depois pelos respectivos círculos locais;
Alocar os mandatos locais de cada partido (a soma dos directos e os de compensação, sem distinção) aos candidatos, em função dos votos pessoais dos eleitores em cada círculo.

Assim, todos os candidatos dependem do voto pessoal/preferencial dos eleitores, tal como nos Países Baixos, e ao contrário do que acontece na Alemanha não há lugar a duas classes de deputados, os locais que dependem dos votos pessoais dos eleitores, e os de compensação/nacionais que dependem da lista partidária.

O sistema dinamarquês possui uma característica que pode fazer sentido no contexto de Portugal: dá aos círculos com menor densidade populacional, tipicamente mais periféricos, um bónus de representação. No entanto isto não quer dizer que os votos dos eleitores nesses círculos valham mais para a composição global da Folketing, os votos têm todos o mesmo valor a nível nacional.
Em Portugal, em 2022, devido às aproximações na distribuição dos mandatos e às diferentes taxas de abstenção, o voto em alguns círculos vale quase 60% do que noutros.
A forma de garantir o mesmo valor a todos os votos é com um círculo de compensação na modalidade utilizada na Alemanha (onde é ilimitado) ou na Dinamarca (garantindo que tem mandatos suficientes), ou com o círculo único dos Países Baixos.

A base do sistema permanece praticamente inalterada desde 1920, e mantém uma grande aceitação por parte dos partidos e da sociedade.



- Inquéritos sobre democracia:

No período de 2016-2021 foram realizados inquéritos [42] em diversos países, após as respectivas eleições legislativas, sobre o efeito que cada sistema eleitoral pode ter nas opiniões dos eleitores.
É apresentado o valor médio das respostas, normalizados de forma a que o valor 0 represente a pior resposta, e o valor 100 a melhor.
Ordem dos países: Portugal (PT), Reino Unido (UK), Alemanha (DE), Países Baixos (NL), Dinamarca (DK).

Qual é o seu interesse pela política?
PT 33 / UK 63 / DE 71 / NL 55 / DK 67

Qual é o seu nível de satisfação com o funcionamento da democracia?
PT 48 / UK 50 / DE 63 / NL 72 / DK 76

Como classifica o interesse dos políticos pelo povo?
PT 31 / UK 48 / DE 46 / NL 66 / DK 70

Quão difundidas estão as práticas de corrupção entre os políticos? (0 - muito, 100 - nada)
PT 27 / UK 48 / DE 41 / NL 64 / DK 72


A Alemanha é o país onde os eleitores se consideram mais interessados pela política, mas passa para 3º lugar quanto à satisfação com o funcionamento da democracia.

Nos primeiros três países com maior interesse dos políticos pelo povo e menores níveis de corrupção (Dinamarca, Países Baixos e Reino Unido, por esta ordem), todos os deputados eleitos dependem do voto personalizado dos eleitores. Um estudo [43] em Portugal mostrou que entre os eleitores havia uma forte relação entre insatisfação com o sistema e a vontade de um voto personalizado.

Por último, há uma pergunta relevante num país em que se fala muito do anonimato e distanciamento dos deputados, mas que infelizmente apenas fez parte do inquérito no período entre 1996-2002: os inquiridos diziam o nome dos candidatos de que se lembravam no seu círculo, e o número de respostas correctas era verificado. As hipóteses foram apresentadas como:
nenhum candidato identificado / apenas um / dois ou mais.
As percentagens de cada resposta, por aquela ordem, são as seguintes:

Portugal: 78 / 13 / 9
Espanha: 72 / 16 / 12
Reino Unido: 34 / 34 / 32
Alemanha: 55 / 25 / 20
Dinamarca: 21 / 19 / 60

Em Portugal e Espanha não há voto pessoal e assim há muito pouco incentivo para conhecer os candidatos.
No Reino Unido vota-se em candidatos, mas para quem está decidido a votar num partido não há incentivo em conhecer o seu único candidato. Na Alemanha passa-se o mesmo em relação ao voto pessoal, e o voto nacional é atribuído a listas bloqueadas, tal como em Portugal e Espanha.
Na Dinamarca, após a escolha do partido, abre-se um novo leque de escolhas, que incentiva os eleitores a conhecer os vários candidatos que o partido escolhido apresenta naquele círculo. O número de eleitores que não identifica um único candidato é de apenas 21%, mas mais impressionante é que 43% conhecem três ou mais.

Pode haver a tendência de atribuir parte destes resultados à cultura democrática do país e ao empenho cívico dos seus eleitores, mas nos Países Baixos, nas últimas eleições locais/autárquicas a abstenção chegou aos 49%, superior à de Portugal (46%).
Nas legislativas a abstenção nos Países Baixos diminui para cerca de metade das locais (e na Dinamarca há um efeito semelhante), como é normal por implicarem um maior impacto global no destino do país. Este efeito não acontecer em Portugal (nem em Espanha) é mais um sinal de que o sistema eleitoral das legislativas não incentiva à participação.



2. Análise de propostas dos partidos e da sociedade civil para Portugal


- As várias propostas com base no sistema alemão

O sistema alemão inspirou propostas do PS e do PSD pelo menos desde o processo legislativo de 1998, e depois disso já ambos o incluíram em projectos de lei e programas eleitorais (sendo o programa PS de 2019 o mais recente).
Este sistema também inspirou a proposta da IL em 2022 e a petição das associações APDQ/SEDES em 2019.

Além de todos os problemas gerais mencionados no resumo sobre o sistema alemão, as propostas têm invariavelmente círculos de compensação inferiores ao alemão, apesar de nada dar a entender que houvesse menos desproporcionalidade no caso Português. Pelo contrário, o facto de não ser proposto copiar a cláusula barreira de 5%, proibida pela nossa Constituição, apenas vem agravar este problema.

Foi o tamanho insuficiente do círculo de compensação que levou o Tribunal Constitucional alemão a declarar o sistema inconstitucional em 2008, e levou à alteração do sistema.
O problema surge quando um partido ganha mais mandatos nos círculos uninominais, com os votos locais, do que teria direito no global, com os votos nacionais.
Na proposta do Governo em 1998 alguns dos vencedores dos círculos locais afinal não eram eleitos (“Será enganar os eleitores”, afirmou o deputado Luís Guedes na altura [44]). Noutras, deixa de se garantir a proporcionalidade a nível nacional, com consequências semelhantes às que levaram o sistema alemão a ser declarado inconstitucional, e que vão ser exemplificadas na proposta da IL.
É impossível evitar os dois problemas sem um círculo de compensação ilimitado, na modalidade que existe agora na Alemanha.

Além destes problemas técnicos, em 1998 tanto o PCP como o CDS criticaram a característica “bipartidarizadora” dos círculos uninominais (algo que também foi apontado nos pareceres das universidades [36]), e o facto do sistema criar deputados de primeira e de segunda categoria: os eleitos pelo sistema local, quase exclusivos dos grandes partidos, e os eleitos pelo sistema de compensação.


- A proposta da IL

A IL apresentou no programa de 2022 [45] uma proposta semelhante ao modelo alemão, mas com um voto único, o equivalente a ter de dar o voto local e o nacional ao mesmo partido. O voto único tem algumas vantagens, como impedir a táctica dos partidos-fantoche, mencionada na análise do sistema alemão, e reduzir a pressão no círculo de compensação.
A desvantagem é que retira liberdade aos eleitores. Este problema foi apontado pela maioria das universidades em 1998, e a conclusão geral foi que “o voto singular limita as opções dos eleitores” e “o critério partidário tenderá a prevalecer sobre a escolha personalizada” [36], e levou o Governo a adoptar o duplo voto na proposta.
A primeira eleição na Alemanha Ocidental, em 1949, usou este sistema, e na seguinte foi implementado o duplo voto.

A proposta tem 150 círculos uninominais, e apenas 80 mandatos de compensação, um número baixo comparado com os exemplos existentes (com voto duplo), uma tendência natural quando o objectivo é aproximar os deputados locais dos seus eleitores.
A possibilidade dos maiores partidos terem exclusividade nos mandatos de proximidade foi referida em 1998, e também na proposta da IL que explica: “mesmo que poucos partidos grandes monopolizem os 150 círculos uninominais (...) os demais 80 mandatos em jogo garantem a proporcionalidade global, e a justa representação aos pequenos partidos”.
Em 2022 os pequenos partidos teriam direito a 59 deputados, abaixo dos 80 do mandato de compensação. O problema surge se for apenas um dos grandes partidos a dominar, e vencer mais mandatos locais do que aqueles a que teria direito pela distribuição nacional. Nesta proposta o partido mantém os “mandatos de bónus”, e os restantes partidos perdem o direito a alguns dos seus mandatos de compensação, deixando de se garantir a proporcionalidade a nível nacional.

Um novo sistema pode influenciar as escolhas dos eleitores, e neste caso o próprio desenho dos círculos influencia o número de mandatos locais que cada partido venceria, mas é possível fazer algumas estimativas. Em 2022 o PS foi o partido mais votado nos 18 distritos e nos Açores, e venceu em 91% dos concelhos com mais de 30.000 votantes, aproximadamente o limite sugerido na proposta. (Nota: uma estimativa de especialistas [9] para 1991 deu ao PSD 98% dos círculos uninominais, com 51% dos votos totais).

Utilizando um valor mais conservador face à estimativa dos concelhos, e considerando que o PS vence 87% dos círculos uninominais, o PS obtém 131 mandatos, mais 11 do que no sistema actual (e mais 30 do que num sistema proporcional). A variação nos restantes partidos seria: PSD -23, CH +1, IL +1, BE +3, CDU +2, CDS +3, PAN +1, e L +1.

Esta distribuição de mandatos não é proporcional, e portanto não seria coerente com a Constituição. Além disso, este sistema tem um problema semelhante ao alemão quando foi declarado inconstitucional. Nesse sistema era possível que para alguns eleitores, votar no seu partido não fosse a opção que lhe daria mais deputados.

Na estimativa analisada o PS perdia apenas 19 círculos para o PSD (o único partido com chances nos concelhos em 2022), e cada derrota adicional libertaria um mandato de compensação para a distribuição proporcional. O primeiro mandato de compensação adicional, caso o PS baixasse de 131 para 130 vitórias, caberia ao PAN. Isto significa que num dos círculos em que o PS vence com menor margem, o voto dos apoiantes do PAN no PSD podia dar esse mandato uninominal ao PSD (p.ex. no concelho do Porto, onde o PS venceu por 500 votos). O resultado dessa vitória do PSD, na composição do Parlamento, seria menos um deputado do PS, e mais um do PAN. Para esses apoiantes do PAN, mudar o voto para o PAN seria perder um deputado.
O PSD manteria os 54 deputados apesar dessa vitória adicional, o número de mandatos uninominais aumentaria de 19 para 20, mas o número de mandatos de compensação diminuiria de 35 para 34. Caso o PSD vencesse mais outro círculo ao PS esse mandato caberia, de forma mais intuitiva, ao PSD, e o seguinte ao CH.
Nota: toda esta análise poderia ser feita trocando PS por PSD, se fosse aplicada a um ano em que foi o PSD a dominar (por exemplo em 2011 onde venceu 80% dos concelhos, com 39% dos votos nacionais), e aí poderiam ser alguns apoiantes da IL a descobrir que a forma de terem ganho mais um deputado seria terem votado no PS.


- As propostas do PSD

Em 1998, liderado por Marcelo Rebelo de Sousa, apresentou uma proposta semelhante ao modelo alemão, com um Parlamento de tamanho variável (entre 184 e 230 deputados), e um sistema de compensação mais proporcional do que o alemão nessa altura, e muito semelhante ao sistema alemão actual.
Em 2007 apresentou uma proposta de lei semelhante [46].

Em 2011 e 2015, liderado por Pedro Passos Coelho, apresentou nos programas um sistema sem círculos uninominais, com: “reconfiguração dos círculos eleitorais, de modo a combinar a existência de um círculo nacional com círculos locais” [47] e “aberto à possibilidade da introdução do voto preferencial, em que os eleitores, para além de fazerem uma opção partidária, podem indicar candidatos da sua preferência” [48].
Em 2017 o futuro líder Luís Montenegro mostra-se contra os círculos uninominais [49].
No programa de 2019 apenas se fala na “reconfiguração dos círculos eleitorais”, e o líder Rui Rio mostra abertura a propostas com círculos uninominais [50].

Finalmente no programa de 2022 [51] resume-se uma proposta [52] que diz: “limita a dimensão dos círculos eleitorais até nove deputados, introduz um mecanismo de discriminação positiva para os círculos com menos eleitores e garante a mesma proporcionalidade e a representação dos pequenos partidos.”
Nesta proposta existe um círculo nacional, mas que não garante a proporcionalidade global como nas propostas anteriores. Isto não acontece por o círculo ser demasiado pequeno, como na proposta da IL, mas porque o seu objectivo é garantir “a mesma proporcionalidade do sistema actual”.
Tendo em conta que a proporcionalidade actual é a mais baixa de sempre, com todas as consequências já mencionadas, não faz sentido criar um círculo nacional, que costuma servir precisamente para garantir a proporcionalidade nacional, sem resolver esse problema. Assim, no exemplo que apresentam para 2019, este sistema retira a totalidade dos mandatos locais ao CDS, PAN, IL, L e CH, e um terço do BE e da CDU, e passa-os para o círculo nacional, mais longe dos eleitores.
Em 2022, dos 33 mandatos dos pequenos partidos apenas três (2 CH, 1 CDU) foram obtidos em círculos com nove ou menos deputados, portanto é expectável que a representação local dos pequenos partidos seria muito diminuída.
Em função do equilíbrio entre PS e PSD nos círculos locais, o círculo nacional de apenas 34 mandatos poderia mesmo ser demasiado pequeno para garantir a (pouca) proporcionalidade actual, e assim traria os problemas já analisados na proposta da IL, em que votar no nosso partido pode não ser a escolha que lhe dá mais deputados.


- BE e CDU
Ambos apresentam nos programas recentes aquilo que não querem, diz o BE: “Recusa de alterações à lei eleitoral que distorçam a proporcionalidade e a representatividade do voto” e a CDU: “Contestar projectos de revisão das leis eleitorais que visem favorecer artificialmente a bipolarização entre PS e PSD e a diminuição do pluralismo da representação política”.

- CDS
O CDS também tem variado as propostas apresentadas, em 2015 propunha manter o sistema actual mas “estando aberto à possibilidade da introdução do chamado voto preferencial”. Em 2022 voltava ao sistema alemão, com “círculos uninominais e plurinominais, e um círculo nacional, com garantia da representação proporcional”.

- PAN e Livre
O PAN e o Livre apresentaram propostas mais vagas, onde ambos sugerem a criação de um círculo nacional, sem tamanho ou método definido (se servir apenas para aproveitar votos desperdiçados, ou “restos”, continua a ser possível que um partido com mais votos que outro obtenha menos deputados, entre outros problemas).
Além disso, o PAN sugere a diminuição do número de círculos eleitorais, e portanto o aumento do seu tamanho médio. Isto vai contra a lógica de aproximar eleitores e eleitos que os grandes partidos sempre têm defendido. Além disso, não é fundamental para melhorar a proporcionalidade e reduzir votos desperdiçados, a partir do momento em que existe um círculo nacional.
Por sua vez, o Livre propõe a introdução do voto preferencial, mas, tal como o PSD e o CDS anteriormente, não dá detalhes da sua implementação.



3. A nossa proposta para Portugal (aplicada a 2022)

A nossa proposta é implementar um sistema semelhante ao dinamarquês em Portugal, pelas várias características que fomos mencionando, desde a taxa de participação e ligação eleitores e eleitos, até à justiça dos resultados.

Os pontos básicos do sistema

a) Distribuição de mandatos com base na votação nacional, para garantir a justiça do resultado global;
b) Distribuição de todos os mandatos pelos círculos locais, de forma a maximizar a representação do território;
c) Uso do voto preferencial na atribuição dos mandatos aos candidatos, como forma de promover a ligação entre eleitores e eleitos (os eleitores podem votar em candidatos).


a) Cálculo dos mandatos totais com base na votação nacional

Esta distribuição será feita segundo o método de Hondt, por ser o previsto na Constituição, e por ter pelo menos uma vantagem face aos restantes métodos tipicamente usados nesta divisão: nunca penaliza o consenso e a formação de coligações.
Uma forma de pensar nesta distribuição pelo método de Hondt é estimar um número de votos necessários para obter cada mandato, por exemplo, se fossem necessários 20 mil votos por mandato do território nacional, o PAN que obteve 82.284 votos teria direito a 4 mandatos, e seriam 4 quer tivesse obtido 80.000 ou 99.999 votos. Com este “custo” por mandato o total de deputados no Parlamento passaria a 257 (+4 da emigração). Para obtermos os 226 mandatos é preciso aumentar o número de votos por mandato até 22.544 votos.
Assim, a cada 22.544 votos corresponde um mandato, e isso resulta na seguinte distribuição, com base nos votos totais do território nacional: PS 99, PSD 69, CH, 17, IL 11, BE 10, CDU 10, CDS 3, PAN 3, L 3, RIR 1.
Uma curiosidade é que o RIR, com os seus 22.559 votos, passaria a estar presente no Parlamento por apenas 16 votos. Até os seus 123 votos em Portalegre teriam sido fundamentais para a eleição.

Esta distribuição a nível nacional garante que nunca mais pode acontecer um partido com mais votos eleger menos deputados (BE em relação à CDU) ou até nenhum (CDS em relação ao PAN e ao Livre).

Em relação ao “custo” adicional por mandato dos partidos pequenos face aos dois grandes, reduz-se dos actuais +100% (ou seja, o dobro), para apenas +8%. Os grandes partidos continuam a ser beneficiados pelo sistema eleitoral, mas mais em linha com os valores das últimas eleições na Alemanha (+1%), Dinamarca (+2%) e Países Baixos (+4%), que utilizam sistemas verdadeiramente proporcionais. Sem os 4 mandatos da emigração (que na proposta continuam a ser independentes) o valor é de +5%.

A distribuição de mandatos a nível nacional é a base do sistema na Dinamarca, Países Baixos, e Alemanha, bem como nas propostas para Portugal com base no sistema alemão. A diferença desta proposta é que 100% dos mandatos são distribuídos pelo território, em vez de existir um círculo nacional que elege deputados de forma centralizada, mais longe dos eleitores, e que necessita de ser bem calibrado (para evitar problemas como já vimos na proposta da IL).


b) Distribuição de todos os mandatos pelos círculos locais

Ao contrário da maioria das propostas para Portugal, propomos manter todos os círculos existentes, correspondentes aos distritos e às regiões autónomas, já que essa alteração foi apontada como um obstáculo à reforma por interferir com as estruturas partidárias existentes [7].

A grande assimetria populacional entre o litoral e o interior é o desafio desta distribuição, onde pretendemos garantir que o Parlamento é não só um espelho da representação global de cada partido, mas também da sua diversidade territorial.
Vamos apresentar duas variantes possíveis para esta distribuição, e compará-las com o sistema actual, no que diz respeito à representação dos partidos pelo território.



b1) Distribuição partido a partido, com agregação de círculos em vários níveis


Nesta variante vamos propor a agregação “virtual” dos círculos mais pequenos como forma de minimizar o impacto da grande concentração populacional no litoral e nos grandes centros urbanos, equilibrando a distribuição de mandatos pelo território. Este sistema é utilizado na Dinamarca, que distribui inicialmente os mandatos nacionais por regiões “virtuais”, e posteriormente distribui os mandatos de cada região pelos círculos que a constituem.

A vantagem da agregação ser “virtual” é que os círculos continuam a existir a nível individual, com os seus candidatos próprios, e assim garante-se que há candidatos cujo incentivo é divulgar a sua mensagem, por exemplo, no distrito de Bragança. Se existisse um círculo conjunto Vila Real/Bragança, os candidatos podiam sentir o incentivo de focar a sua atenção em Vila Real, que tem mais eleitores e é mais central, e o mesmo se passaria por exemplo em relação a Évora e Portalegre num eventual círculo do Alentejo.

Assim, os círculos actuais são agregados em vários níveis, tendo em conta a relação histórica e cultural entre eles, e o número de eleitores em cada nível.
Como exemplo, Évora, Beja e Portalegre são agregados no círculo do Alentejo, que por sua vez é agregado com Faro, e finalmente estes círculos são agregados com o distrito de Setúbal, dando origem ao círculo de “nível 1” a que vamos chamar “Sul”.
Os restantes círculos do país são agregados em 4 níveis (com o número de eleitores apresentado em milhares).

1 Açores (229)
1 Madeira (255)
1 Porto (1.589)
1 Lisboa (1.920)

1 Norte (1363):
……2 Braga (777)
……2 VC-VR-B (587):
…………3 Viana do Castelo (236)
…………3 VR-B (351):
………………4 Vila Real (213)
………………4 Bragança (138)

1 Centro-Nordeste (1295):
……2 Aveiro (643)
……2 V-G-CB (653):
…………3 Viseu (340)
…………3 G-CB (312):
………………4 Guarda (146)
………………4 Castelo Branco (166)

1 Centro-Sudoeste (1166):
……2 Coimbra (375)
……2 Leiria (413)
……2 Santarém (378)

1 Sul (1475):
……2 Setúbal (746)
……2 F-E-B-P (730):
…………3 Faro (380)
…………3 E-B-P (349):
………………4 Évora (135)
………………4 Beja (120)
………………4 Portalegre (94)

Em cada círculo há uma regra básica: os partidos elegem um deputado por cada 22.544 votos (o valor calculado anteriormente), e até mais um com base nos restantes votos.

A regra completa para a distribuição de mandatos é feita partido a partido, e tem os seguintes passos:
1) Aos 8 círculos de “nível 1”, é atribuído um mandato por cada 22.544 votos.
2) Se sobrarem mandatos por distribuir, os círculos com maior valor de «votos não gastos» a dividir por «1 + mandatos já atribuídos», recebem um mandato adicional.
3) Aplicar os passos 1) e 2) a todos os níveis de círculos.

Vamos exemplificar, mostrando como é que o PSD passa a obter um mandato em Portalegre.

O PSD tem direito a 69 mandatos (calculado anteriormente pela distribuição nacional).
Para cada círculo de nível 1 vamos apresentar:
> número de votos;
> número de mandatos “directos” (o número de vezes que é possível subtrair 22.544);
> “votos não gastos” a dividir por «1 + mandatos já atribuídos»


Açores: 28.330 / 1 / *2.893
Madeira: 50.363 / 2 / 1.849
Porto: 318.390 / 14 / 185
Lisboa: 285.646 / 12 / 1.163
Norte: 284.059 / 12 / 1.041
Centro-Nordeste: 250.261 / 11 / 190
Centro-Sudoeste: 203.162 / 9 / 27
Sul: 157.551 / 6 / *3.184, onde 3.184 = (157.551 - 6 x 22.544) / (6 + 1)

O PSD vê atribuídos “directamente” 67 dos seus 69 mandatos. Os dois mandatos que sobram são atribuídos ao Sul e aos Açores, por terem os dois maiores restos. Assim o Sul elege 6 mandatos directos + 1 adicional.
Este método é aplicado com a mesma lógica ao nível seguinte.

Setúbal: 69.967 / 3 / 584, onde 584 = (69.967 - 3 x 22.544) / (3 + 1)
Alentejo e Faro: 87.584 / 3 / *4.988

Dos 7 mandatos são atribuídos directamente 3 a Setúbal, e 3 ao Alentejo e Faro.
O 7º é atribuído ao Alentejo e Faro, que teve o maior resto, e que assim elege 3 + 1 deputados.

Faro: 47479 / 2 / 797
Alentejo: 40105 / 1 / *8781


Dos 4 mandatos são atribuídos directamente 2 a Faro e 1 ao Alentejo.
O 4º é atribuído ao Alentejo, que teve o maior resto, e que assim elege 1 + 1 deputados.

Évora: *16905
Beja: 10767
Portalegre: *12433

Nenhum dos círculos obteve 22.544 votos para eleger "directamente", portanto os dois mandatos do Alentejo são simplesmente atribuídos aos dois círculos com maior número de votos, Évora e Portalegre.
Deste modo, o PSD apesar de perder deputados na globalidade, não perde a representação em nenhum círculo (tal como não perde nenhum outro partido), e ainda ganha representação em Portalegre, ficando apenas sem representação em Beja.

Nos partidos mais pequenos as contas são mais simples.
O RIR elege o seu deputado no círculo onde tem mais votos, o Porto, o que representaria o primeiro partido a entrar no Parlamento sem ser pelo círculo de Lisboa.
O PAN e o Livre elegem 3 deputados cada, nos mesmos círculos. Um directamente em Lisboa, e, pelos maiores restos, um no Porto, e o outro no Sul, que depois é alocado a Setúbal.
O CDS elege 3 deputados, nenhum deles directamente, o que revela a maior dispersão de votos deste partido, que foi o motivo para não ter qualquer mandato no sistema actual. Assim os mandatos são alocados aos 3 círculos com mais votos, Lisboa, Norte, e Centro-Nordeste (posteriormente alocados a Braga e Aveiro respectivamente).
A CDU elege 1 directamente no Porto, 2+1 (2 directamente, e 1 pelo resto) em Lisboa, 0+1 no Norte (Braga), 0+1 no Centro-Nordeste (Castelo Branco), 1 no Centro-Sudoeste (Santarém), e 3 no Sul (2 em Setúbal e 1 em Beja).
O BE elege 2 no Porto, 2 em Lisboa, 1 no Norte (Braga), 1 no Centro-Nordeste (Aveiro), 1+1 no Centro-Sudoeste (Coimbra e Leiria) e 1+1 no Sul (Setúbal e Faro).
A IL elege 2 no Porto, 4 em Lisboa, 1 no Norte (Braga), 1 no Centro-Nordeste (Aveiro), 1 no Centro-Sudoeste (Leiria) e 1+1 no Sul (Setúbal e Faro).
O Chega elege 0+1 nos Açores, 0+1 na Madeira, 1+1 no Porto, 4 em Lisboa, 2 no Norte (Braga e Vila Real), 2 no Centro-Nordeste (Aveiro e Viseu), 2 no Centro-Sudoeste (Leiria e Santarém) e 3 no Sul (Setúbal, Faro e Évora).

A análise do PS, tal como foi a do PSD, é mais extensa, pois o partido mantém a representação em todos os círculos, mas segue a mesma lógica.

Comparando com o sistema actual, nenhum partido perde representação num círculo, e 16 dos 20 círculos passam a estar representados por pelo menos mais um partido. Nas 4 excepções essa nova representação existe no nível imediatamente “acima”, por exemplo na Guarda que quando agregada com Castelo Branco passa a ter representação da CDU (que no sistema actual não existe em nenhum círculo das Beiras).

Um indicador global de como este Parlamento seria um melhor espelho do país é a distorção que existe no sistema actual entre percentagem de mandatos e de votos, nos dois maiores círculos (Lisboa e Porto).
Começando pelas maiores diferenças: o BE elege nesses dois círculos 80% dos seus deputados, apesar de receber apenas 43% dos seus votos. Na proposta esses 43% dos votos correspondem a 40% dos mandatos.
Na IL os dois maiores círculos correspondem a 75% dos mandatos, mas apenas 54% dos votos. Na proposta seriam 55% dos deputados.
O CH obtém aí 50% dos seus deputados, com apenas 35% dos votos, enquanto na proposta seriam 35% dos deputados..
No PS o sentido da distorção é contrário ao dos pequenos partidos, elege desproporcionalmente mais deputados nos círculos pequenos que nos grandes. Os dois maiores círculos totalizam 34% dos mandatos, mas 40% dos votos, enquanto na proposta seriam 39% dos deputados.
Se a análise for feita aos cinco maiores círculos, Lisboa, Porto, Braga, Setúbal e Aveiro, a tendência é semelhante, com as percentagens de votos e mandatos muito mais próximas na proposta do que no sistema actual.

Em relação ao PSD e à CDU este parâmetro também é melhorado, embora de forma menos marcante. Nos restantes partidos, por elegeram no sistema actual apenas um, ou nenhum deputado, esta análise não faz sentido.

Os partidos pequenos certamente não necessitam de eleger fora dos grandes centros urbanos do litoral para poder representar todos seus apoiantes, mas é inegável que essa representação seria melhorada se refletisse melhor a distribuição do seu apoio pelo país, e traria uma nova visão sobre como responder aos diferentes desafios e oportunidades.

Para completar a análise vamos apresentar para cada círculo, o número de deputados de cada partido, com as novas presenças *assinaladas.

Açores: PS 2, PSD 2, *CH 1
Madeira: PS 2, PSD 2, *CH 1
Porto: PS 18, PSD 14, CH 2, IL 2, BE 2, CDU 1, *PAN 1, *L 1, *RIR 1
Lisboa: PS 21, PSD 12, CH 4, IL 4, BE 2, CDU 3, *CDS 1, PAN 1, L 1
Braga: PS 9, PSD 7, CH 1, IL 1, *BE 1, *CDU 1, *CDS 1
Viana do Castelo: PS 3, PSD 2
Vila Real: PS 2, PSD 2, *CH 1
Bragança: PS 1, PSD 1
Aveiro: PS 6, PSD 6, CH 1, *IL 1, *BE 1, *CDS 1
Viseu: PS 3, PSD 3, *CH 1
Guarda: PS 2, PSD 1
Castelo Branco: PS 2, PSD 1, *CDU 1
Coimbra: PS 4, PSD 3, *BE 1
Leiria: PS 4, PSD 3, CH 1, *IL 1, *BE 1
Santarém: PS 4, PSD 3, CH 1, *CDU 1
Setúbal: PS 9, PSD 3, CH 1, IL 1, BE 1, CDU 2, *PAN 1, *L 1
Faro: PS 3, PSD 2, CH 1, *IL 1, *BE 1
Évora: PS 2, PSD 1, *CH 1
Beja: PS 1, CDU 1
Portalegre: PS 1, *PSD 1

Neste método o número de deputados por círculo não é definido antes das eleições em função do número de eleitores, em vez disso a participação dos eleitores pode influenciar esses valores (como acontece por exemplo na Suécia), sendo que para os dados de 2022 a diferença é em média inferior a um deputado por círculo. Se a abstenção fosse igual em todos os círculos então as variações médias nas eleições de 2015, 2019 e 2022 seriam: Açores +2, Madeira +1, Porto -1, Lisboa -2, Viseu -1, Castelo Branco +1, Leiria -1, Évora +1.

Assim, quando um círculo aumenta a participação eleitoral, a tendência é eleger mais deputados. Isto cria um incentivo adicional à participação eleitoral, que é um dos piores indicadores do nosso sistema democrático.

Em relação aos círculos que podem perder mandatos para outros círculos locais, é importante lembrar que em todas as propostas analisadas anteriormente os círculos perdem mandatos de forma generalizada (entre 15 e 50% no global), já que há uma lista nacional, onde podem ser eleitos candidatos derrotados dos círculos locais, sem qualquer equilíbrio sobre a sua ligação local (podendo ser todos de Lisboa por exemplo).

Finalmente, o facto do número de mandatos não ser necessariamente proporcional ao número de eleitores em cada círculo pode ir contra a letra da Constituição, que diz no artigo 149°-2: “O número de Deputados por cada círculo (...) é proporcional ao número de cidadãos eleitores nele inscritos”. Mas o sentido deste artigo, como explicam Gomes Canotilho e Vital Moreira [1], é que, "sendo os círculos de dimensão diversa, é natural que o número de deputados a eleger seja proporcional ao número de eleitores. Trata-se de uma exigência do princípio da igualdade eleitoral dos cidadãos, isto é, da igualdade do sufrágio (art 10°-1)”.
Canotilho [16] explica ainda que “o princípio da igualdade de voto/sufrágio exige que todos os votos tenham o mesmo peso (consideração igual para a distribuição de mandatos)”.
No sistema actual, devido às aproximações na distribuição dos mandatos e às diferentes taxas de abstenção, o voto em alguns círculos vale quase 60% do que noutros.
Assim, enquanto o sistema actual tenta aproximar, de forma necessariamente imperfeita, o peso de cada voto no território nacional, nesta proposta todos os votos contam de igual forma para a atribuição dos mandatos totais aos partidos, ficando assim verdadeiramente garantido o princípio da igualdade do sufrágio.


b2) Distribuição directa pelos círculos, com número pré determinado de mandatos

O ponto de partida desta variante é a distribuição a nível nacional de mandatos por partido, calculada anteriormente (PS 99, até RIR 1) e a actual distribuição prévia de mandatos totais pelos círculos (Lisboa 48, até Portalegre 2).
A regra para a distribuição de mandatos pelos partidos/círculos tem os seguintes passos:
1 - os votos de cada partido em cada círculo são divididos por 1, 3, 6, 10, 15, etc [53]
2 - os mandatos são atribuídos começando pelos maiores quocientes
3 - quando o limite de mandatos de um partido ou círculo é atingido os restantes quocientes desse partido ou círculo são ignorados

Exemplificando com alguns quocientes:
1º quociente: PS em Lisboa (483.034 votos)
2º: PS no Porto (418.958)
3º: PSD no Porto (318.390)
4º: PSD em Lisboa (285.646)
5º: PS em Braga (207.837)
6º: PS em Setúbal (198.126)
7º: PSD em Braga (172.021)
8º: Segundo mandato PS em Lisboa (483.034 votos / 3 = 161.011)
9º: PS em Aveiro (144.222)

Os primeiros mandatos dos pequenos partidos:
15º: IL em Lisboa (93.567)
16º: CH em Lisboa (92.001)
29º: CDU em Lisboa (59.899)
32º: BE em Lisboa (55.802)
36º: IL no Porto (50.389), o primeiro de um pequeno partido fora de Lisboa
65º: L em Lisboa (28.854)
84º: PAN em Lisboa (23.577)

Os primeiros mandatos dos partidos em círculos sem representação actual:
98º: CDS em Lisboa (19.558)
103º: BE em Braga (18.550)
110º: PAN no Porto (16.722)
112º: IL em Aveiro (16.294)
126º: CH em Viseu (14.383)
140º: CDU em Braga (13.018)
144º: PSD em Portalegre (12.433)
154º: L no Porto (11.438)
226º: RIR no Porto (7.212)

Primeiro quociente ignorado por ser atingido o limite de um círculo:
151º: 2º mandato PS em Évora (34700 / 3 = 11.567). É o 3º e último mandato de Évora, passando os restantes quocientes de Évora a ser ignorados.
152º: CDU em Évora, (11.494), ignorado. A CDU não elege em Évora por 74 votos, e assim esse mandato da CDU será alocado a outro círculo.

Primeiro quociente ignorado por ser atingido o limite de um partido:
162º: BE em Leiria (10.709), último dos 10 mandatos do BE.
165º: BE em Santarém (10.011), ignorado, sendo o mandato de Santarém alocado a outro partido. Com mais 700 votos em Santarém seria aí que o BE teria representação, perdendo-a em Leiria.

Comparando com o sistema actual, nenhum partido perde representação num círculo, e 12 dos 20 círculos passam a estar representados por pelo menos mais um partido (eram 16 na primeira variante).
A relação global entre votos e mandatos de cada partido nos círculos é muito melhor que no sistema actual, mas pior que na primeira variante. As excepções são a IL e o BE, que elegem da mesma forma em ambas as variantes.

Para completar a análise vamos apresentar para cada círculo, o número de deputados de cada partido, com as novas presenças *assinaladas.

Açores: PS 3, PSD 2
Madeira: PS 3, PSD 3
Porto: PS 17, PSD 11, CH 2, IL 2, BE 2, CDU 2, *CDS 1, *PAN 1, *L 1, *RIR 1
Lisboa: PS 21, PSD 10, CH 4, IL 4, BE 2, CDU 3, *CDS 1, PAN 1, L 2
Braga: PS 7, PSD 7, CH 2, IL 1, *BE 1, *CDU 1
Viana do Castelo: PS 3, PSD 3
Vila Real: PS 3, PSD 2
Bragança: PS 2, PSD 1
Aveiro: PS 6, PSD 6, CH 1, *IL 1, *BE 1, *CDS 1
Viseu: PS 4, PSD 3, *CH 1
Guarda: PS 2, PSD 1
Castelo Branco: PS 2, PSD 2
Coimbra: PS 4, PSD 3, *CH 1, *BE 1
Leiria: PS 4, PSD 3, CH 1, *IL 1, *BE 1
Santarém: PS 4, PSD 3, CH 1, *CDU 1
Setúbal: PS 7, PSD 4, CH 2, IL 1, BE 1, CDU 2, *PAN 1
Faro: PS 3, PSD 2, CH 2, *IL 1, *BE 1
Évora: PS 2, PSD 1
Beja: PS 1, *PSD 1, CDU 1
Portalegre: PS 1, *PSD 1


c) Uso do voto preferencial na atribuição dos mandatos aos candidatos

A maioria dos países europeus dá aos eleitores a hipótese de escolher deputados, e não apenas partidos, Portugal e Espanha são das raras excepções, e por lá já chegou a ter apoio de todos os partidos excepto um, que bloqueou a mudança.
Este ponto estava presente nas propostas do PS, PSD e IL inspiradas no sistema alemão, e foi também mencionado, desligado do sistema alemão, pelo PSD, CDS e Livre em programas eleitorais recentes, bem como por vários especialistas.

A proposta é utilizar um sistema semelhante ao dinamarquês, que origina de longe os melhores resultados em relação à aproximação entre eleitores e eleitos, segundo os inquéritos analisados anteriormente.

Na Dinamarca os eleitores votam num partido, e adicionalmente podem votar em candidatos desse partido no seu círculo eleitoral.
Cada partido pode escolher entre dois métodos para o voto preferencial: apresentar uma lista ordenada que apenas é alterada caso algum candidato receba uma quantidade significativa de votos pessoais, ou apresentar os candidatos ordenados alfabeticamente e aí a ordem final da lista depende exclusivamente do número de votos pessoais. Esta segunda alternativa, que dá todo o poder aos eleitores, tem ganho popularidade e é agora a utilizada pela maioria dos partidos (e a utilização do voto preferencial tem vindo a subir, era de 41% em 1964, mas atingiu 54% em 2019, apesar do tamanho dos círculos ter vindo a aumentar).

Quanto à opção da lista que pode ser alterada, é preciso definir um valor mínimo de votos para os candidatos poderem subir na lista. Propomos um valor simples, como 20% dos votos por deputado, e que pode ser ajustado à medida que os portugueses se habituam ao voto preferencial. Por exemplo, a IL no Porto recebeu 50.000 votos, e obteve dois mandatos, portanto um candidato precisaria de receber 20% x 50.000 / 2 = 5.000 votos pessoais para ir para o topo da lista e ser eleito antes do número 1 e 2 propostos pelo partido.

A nossa proposta é dar esta flexibilidade aos partidos, com a hipótese de escolherem entre as duas hipóteses anteriores, ou uma terceira: apresentar listas fechadas, como actualmente, e não dar aos seus eleitores qualquer influência na escolha dos seus deputados, se acharem que a ordem definida pelo partido é fundamental.

Uma variante vinda da Noruega, e que se adapta particularmente bem a Portugal por ter alguns círculos com muitos deputados, é dar a hipótese dos eleitores poderem “aprovar” múltiplos candidatos. Assim um eleitor pode decidir aprovar unicamente o seu candidato preferido, mas se considerar que há outros dois que estão mais aptos que os restantes pode optar por aprovar os três candidatos. A possibilidade de aprovar múltiplos candidatos melhora alguns pontos levantados por um dos especialistas no sistema dinamarquês [54], e dá maior liberdade aos eleitores que decidem conhecer mais candidatos.

Por vezes o tamanho dos círculos eleitorais é visto como um entrave à eficácia do voto preferencial, mas na Dinamarca os círculos variam entre 14 e 29 mandatos (e o maior círculo teve 57% de votos preferenciais, acima da média nacional), 7 a 36 na Finlândia, e 2 a 43 na Suécia.
Ainda assim, em ambas as variantes é possível reduzir o tamanho dos maiores círculos, por exemplo separando as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto do restante distrito, sem que isso tenha impacto na proporcionalidade do sistema.

Aproveitamos para referir que Portugal já conta com alguns excelentes projectos independentes, como o politicaparatodos.pt e os230.pt, que dão a conhecer candidatos e deputados, podendo assim contribuir de forma essencial para o sucesso do voto preferencial. Certamente a motivação para os candidatos colaborarem com projectos deste tipo, e para os eleitores usarem os seus recursos, aumentaria, se o conhecimento sobre os candidatos servisse para manifestar mais esta preferência na altura de votar.


- Lei da paridade e composição das listas

Uma crítica por vezes feita aos sistemas de voto preferencial é que podem ser prejudiciais para a representatividade de género. Existem exemplos contrários, por exemplo a Finlândia cuja representação no Parlamento é de 53/47% com voto preferencial e sem qualquer sistema de quotas [55]. Ainda assim, o Instituto Europeu para a Igualdade de Género considera que este é um mecanismo importante para a maioria dos países [56].
Actualmente, o equilíbrio da ordenação das listas está entre os partidos e a lei da paridade. Na nossa proposta acrescentamos os eleitores como terceira peça desse equilíbrio.
Aproveitamos ainda para propor simplificar e tornar mais relevante a actual lei da paridade [57], que exige uma “representação mínima de 40% de cada um dos sexos”, e que “não podem ser colocados mais de dois candidatos do mesmo sexo, consecutivamente”.
Ainda assim a lei permite que em Portalegre as mulheres sejam relegadas para suplentes [58], ou que sejam eleitas apenas uma em 5 deputados (20%), ou duas em oito [59] (25%), o que tornou a regra dos 40% irrelevante para os eleitos em 2022, a regra dos dois candidatos consecutivos é a única com impacto.
A proposta, inspirada na alemanha [60], é haver uma pessoa de cada género em cada par de candidatos eleitos (1º e 2º, 3º e 4º, etc), isto garante efetivamente o mínimo de 40% nos lugares elegíveis (excepto para um ou três eleitos).

Assim, a nossa proposta é que existam três fases de ordenação das listas, que ocorrem de forma sequencial.
1 - os partidos formam as listas respeitando a “regra dos pares”
2 - os eleitores fazem uso do seu voto pessoal se assim entenderem
3 - cada lista é reordenada, com base nos votos pessoais e na “regra dos pares”

Adicionalmente, caso existam substituições de deputados durante a legislatura o equilíbrio paritário do respectivo partido não deve ficar prejudicado face ao que resulta das eleições.


- As listas de tamanho variável

A proposta aqui é acabar com a necessidade dos partidos apresentarem listas com o número total de mandatos em cada círculo.
Tanto nos Países Baixos como na Dinamarca é isto que acontece, cada partido decide quantos candidatos apresenta em cada círculo. Os partidos têm todo o incentivo em apresentar candidatos suficientes para garantir que não perdem mandatos por não ter candidatos para eleger na lista.
Não há um motivo prático para exigir que os pequenos partidos apresentem 48 candidatos (mais os suplentes!) em Lisboa.
Assim, a proposta é que exista um mínimo de dois candidatos, de forma a não impedir necessariamente o voto preferencial, e que deixe de existir uma separação entre a lista de candidatos efetivos e de suplentes para as tornar mais simples.


- Governabilidade e proporcionalidade

É frequente falar-se na aparente dicotomia proporcionalidade/governabilidade durante as propostas de reforma. No entanto, não é necessário sacrificar uma para conseguir a outra, nem essa relação é linear.
Na Nova Zelândia ficou provada a capacidade dos eleitos se adaptarem a um sistema mais legítimo e proporcional, quando após 20 maiorias absolutas consecutivas (na última com apenas 35% dos votos) se seguiram 8 governos sem maiorias, e não existiu nenhuma eleição antecipada (contrariando alguns ministros, defensores do sistema antigo, que afirmaram que a mudança iria ser desastrosa para a democracia e para a economia [61]).

Pelo contrário, o sistema do Reino Unido, que já originou maiorias absolutas com apenas 35% dos votos, não é um bom exemplo de estabilidade. Quando a maioria absoluta é pouco expressiva, ou inexistente, os partidos frequentemente não sabem, ou não querem, dialogar, optando por forçar novas eleições, como em 2017 e 2019 respectivamente.
As rivalidades internas, exacerbadas por um sistema eleitoral muito desproporcional que dizimaria a representação de qualquer dos dois grandes partidos que se separasse em dois, contribuem para que Sunak seja já o 7º líder neste século.
Um oposto desta instabilidade na liderança é o sistema mais proporcional da Europa, nos Países Baixos, que está apenas no 3º primeiro ministro neste século, apesar de nenhum ter tido uma única maioria absoluta.

António Costa, relator da proposta do Governo em 1998, resumiu assim a questão: “essencial, foi a experiência de 1987 e de 1991, em que, quando os portugueses o quiseram, um só partido pôde obter legitimamente uma maioria absoluta nesta Casa [em ambas o PSD obteve mais de metade dos votos]. Isso resolveu de uma vez por todas e esclareceu que a instabilidade não era fruto do sistema eleitoral”, e que “esta legislatura tem sido a prova de que não é ausência de maioria absoluta que gera instabilidade. A instabilidade só existe e só tem existido naqueles poucos momentos em que ou a maioria ou as oposições não souberam compreender qual era o devido limite do mandato que os portugueses lhes conferiram” [62].

Outro ponto importante é que o princípio da representação proporcional aparece no artigo 113º: princípios gerais de direito eleitoral, e também no 288º: limites materiais da revisão constitucional, ou seja, está duplamente protegido na Constituição, e já é assim após várias revisões desde 1976.
Já a palavra governabilidade (ou equivalente) aparece zero vezes na Constituição actual, e zero vezes na Constituição de 1976.

Não quer isto dizer que não deva haver preocupação com esse aspecto, mas há formas de melhorar a governabilidade sem interferir com o princípio da Constituição, e sem subverter a vontade dos eleitores.
Um mecanismo que já foi proposto ao longo do tempo, por exemplo por Mário Soares pelo menos desde as presidenciais de 1986 [63], e por outros líderes do PS depois disso, mas também por Pedro Passos Coelho e ainda por especialistas como André Freire, é a moção de censura construtiva. Nesse mecanismo, para derrubar um governo (ou até chumbar um orçamento) passa a ser necessário apresentar simultaneamente uma alternativa com apoio parlamentar, em vez do sistema actual em que é possível “destruir” sem apresentar soluções. O efeito deste mecanismo na governabilidade é intuitivo, e um estudo recente [64] mostra que o impacto é significativo.
E este não é um mecanismo inovador, está presente em Espanha desde que foi implementada a Constituição actual em 1978, e na Alemanha, desde 1949.


- Os dois círculos da emigração

A proposta é continuar a ter os mandatos da emigração separados do cálculo dos mandatos do território nacional, mas unidos em apenas um círculo, tal como propôs Rui Oliveira e Costa em 2009[8], dizendo na altura: “A junção dos dois círculos de emigração num único parece uma quase necessidade, face à discrepância entre votos e mandatos que pode ocorrer em círculos plurinominais de dois deputados”.

Justificou ainda a decisão pelas possíveis injustiças do sistema, quando em 2005 o PS obteve na emigração mais 15% dos votos que o PSD, mas acabou com apenas um deputado, contra três do PSD. No fundo é o que aconteceu em 2022 com a votação nacional, mais votos podem significar menos mandatos. É sempre uma possibilidade quando os votos não valem o mesmo.


- O tamanho do Parlamento

Já referimos que em 1998 a redução do tamanho do Parlamento foi um dos pontos que levou a não haver acordo entre PS e PSD.
Em ambos os sistemas propostos havia redução dos deputados de proximidade, devido à existência do círculo nacional (que elegia deputados a partir de listas centralizadas), que seria agravada com uma redução do número total de deputados, com mais impacto nos círculos do interior que já vinham a perder representação.
Na nossa proposta todos os deputados são eleitos a nível local, pelo que a redução do número de deputados não tem as consequências negativas que teria em 1998.

Na última proposta, o PSD sugeriu uma redução de 230 para 215 mandatos. Um compromisso em linha com a sua actual representação parlamentar (33%) seria passar para 225 deputados, um valor que continua em linha com os parlamentos europeus. Isto permite evitar empates entre dois blocos de partidos, e no ainda mais raro empate no número de votos totais (algo não previsto na lei actual) permite que o Parlamento tenha um deputado adicional, sem ultrapassar o máximo previsto na Constituição.


- Reforçar a representação dos menores círculos

A haver uma distribuição inicial de mandatos pelos círculos (como na 2ª variante proposta), adoptar o método de Webster/Sainte-Lague (divisores 1, 3, 5, 7,...) é o mínimo imprescindível. Este método não beneficia os grandes círculos e assim contribui para atenuar, ligeiramente, a grande discrepância no tamanho dos círculos. Na prática, em 2022, um deputado de Lisboa e outro do Porto seriam transferidos para os Açores e para a Guarda.

Na segunda variante proposta até é simples aumentar explicitamente a representação nos círculos do interior e das regiões autónomas, de forma a compensar o efeito de isolamento e/ou da menor densidade populacional, sem que isso dê mais poder ao voto nesses círculos para afectar a composição global do Parlamento (um voto em Lisboa, nos Açores ou em Bragança tem o mesmo impacto no número de mandatos para cada partido). Na Dinamarca e na Noruega, com um sistema semelhante, os círculos com menor densidade populacional são “compensados” com representação acima da justificada pela sua população.

Uma forma simples de fazer isso em Portugal seria atribuir a todos os círculos um mandato, antes de distribuir os restantes como actualmente. Neste caso, assumindo 226 mandatos no território nacional, e com um mandato atribuído a cada círculo antes da distribuição dos restantes 206, a diferença seria, Lisboa -3; Porto -2; ou seja, redução apenas nos dois maiores círculos; e mais um mandato nos Açores, Bragança, Guarda, Évora e Portalegre.

Distribuindo dois mandatos iniciais a diferença seria: Lisboa -6; Porto -5; -1 em Braga, Aveiro e Setúbal, ou seja, redução apenas nos 5 maiores círculos; Coimbra e Leiria sem alteração; Guarda +2; e +1 nos restantes 12 círculos.
Dessa forma, até seria possível reduzir o número de mandatos totais (para os 225 mencionados), mas garantir uma maior representatividade de todos os círculos do interior e das regiões autónomas, mas mantendo igual o valor de cada voto.



Conclusão

Os objetivos principais da proposta já foram referidos: cumprir a Constituição, garantindo a igualdade dos votos em Portugal, e “aproximar eleitores e eleitos”, com a hipótese dos eleitores escolherem deputados, e não apenas partidos.

Esperamos que esta petição sirva para demonstrar as virtudes do sistema proposto, no que diz respeito:
à justiça do resultado global, graças à igualdade do voto;
à distribuição equilibrada dos deputados de cada partido pelo território, e sem forçar os pequenos partidos a concentrar os seus esforços apenas nos grandes círculos do litoral;
à simplicidade, face à complexidade da alternativa alemã;
à ligação com os eleitos, graças ao voto pessoal.

Se queremos regenerar a nossa democracia é fundamental garantir que o Parlamento passe a ser um espelho da sociedade, valorizando todos os votos, de todos os partidos, em todo o território nacional, de igual forma, e, além disso, permitir que a eleição seja uma oportunidade dos partidos se abrirem à sociedade, podendo partilhar com os cidadãos a escolha dos seus representantes.

Assim, peticionamos à Assembleia da República para que enfrente este problema sem rodeios, para que nesta legislatura em que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril possamos finalmente reformar o nosso sistema eleitoral obsoleto, porque deixar tudo como está, será irresponsável.



1 de Dezembro de 2022
Os peticionários,




Referências:
[1] “Constituição da República Portuguesa anotada”, J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, 2007
[2] “O sistema político português”, Manuel Braga da Cruz, 2017
[3] https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/01/07/03/061/1998-04-23?sft=true
[4] Revisão da lei eleitoral para a Assembleia da República, Presidência do Conselho de Ministros, 1997
[5] https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=19005
[6] https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=33525
[7] “Sistema eleitoral português: problemas e soluções”, Marina Costa Lobo, 2018
[8] “Lei eleitoral para a Assembleia da República: proposta de configuração de círculos uninominais”, Rui Oliveira e Costa, 2009
[9] “Revisão da lei eleitoral para a Assembleia da República”, Presidência do Conselho de Ministros, 1997
[10] https://nzhistory.govt.nz/politics/fpp-to-mmp
[11]https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/01/07/03/061/1998-04-23?sft=true&org=PLC&plcdf=true#p2060
[12] https://expresso.pt/politica/2019-02-09-PSD-prepara-proposta-para-circulos-uninominais
[13] https://ps.pt/wp-content/uploads/2021/02/Programa-Eleitoral-PS-2019.pdf
[14] https://iniciativaliberal.pt/wp-content/uploads/2022/01/Iniciativa-Liberal-Programa-Eleitoral-2022.pdf
[15]https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/5064/1/190429%20apresentacao%20PETICAO%20eleitoral%20UAL.pdf
[16] “Direito Constitucional”, José Joaquim Gomes Canotilho, 2013
[17] https://en.wikipedia.org/wiki/2019_United_Kingdom_general_election#Tactical_voting
[18] https://tacticalvote.co.uk/#StAlbans ou https://tactical.vote/st-albans/
[19] https://www.ft.com/content/f8dda012-fe19-11e9-a530-16c6c29e70ca
[20]https://www.bundeswahlleiter.de/en/dam/jcr/4ff317c1-041f-4ba7-bbbf-1e5dc45097b3/bundeswahlgesetz_engl.pdf
[21] Artigo 38.1 https://www.btg-bestellservice.de/pdf/80201000.pdf
[22] https://www.bundestag.de/en/parliament/elections/election_mp-245694
[23] https://www.dw.com/en/bloated-bundestag-trouble-for-german-democracy/a-59188371
[24] https://en.wikipedia.org/wiki/Electoral_system_of_New_Zealand#Strategic_voting
[25]https://www.bundeswahlleiter.de/en/info/presse/mitteilungen/bundestagswahl-2017/02_18_pm_repr_wahlstatistik.html
[26]https://en.wikipedia.org/wiki/Scorporo#Abuse_in_the_2001_Italian_Chamber_of_Deputies_election
[27] https://en.wikipedia.org/wiki/Mixed-member_proportional_representation#Splitting_parties
[28] https://pollytix.de/wp-content/uploads/2018/04/pollytix_Umfrage_Erst-und-Zweitstimme.pdf
[29] https://www.bundesverfassungsgericht.de/entscheidungen/cs20080703_2bvc000107.html
[30] https://www.bundesverfassungsgericht.de/entscheidungen/fs20120725_2bvf000311.html
[31] https://www.aicgs.org/2020/07/cleaning-up-an-over-engineered-mess-german-electoral-system-reform
[32] “Que reforma eleitoral?”, Comissão Nacional de Eleições, 1992
[33] “Erosion of democracy: Gerrymandering in the United States”, https://scholarworks.uni.edu/etd/954/
[34]https://www.sedes.pt/images/Documentos/210824_SEDES-APDQ_apresentacao_105_circulos_uninominais.pdf
[35] https://www.bundeswahlleiter.de/en/bundestagswahlen/2017/wahlkreiseinteilung.html
[36] “Pareceres sobre o anteprojecto de reforma da lei eleitoral para a Assembleia da República”, Presidência do Conselho de Ministros, 1998
[37] https://en.wikipedia.org/wiki/Vorpommern-R%C3%BCgen_%E2%80%93_Vorpommern-Greifswald_I
[38] https://www.verkiezingsuitslagen.nl/verkiezingen/detail/TK20210317/686934
[39] https://aceproject.org/ace-en/topics/es/annex/esy/esy_nl
[40]https://www.thedanishparliament.dk/-/media/pdf/publikationer/english/my_constitutional_act_with_explanations.ashx
[41]https://www.thedanishparliament.dk/-/media/pdf/publikationer/english/the-parliamentary-system-of-denmark_2011.ashx
[42] https://cses.org/ , “comparative study of electoral systems”
[43] http://er.cies.iscte-iul.pt/sites/default/dfiles/Book_PoliticalRepresentation2015_1.pdf pág. 290, Freire e Meirinho
[44] https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/01/07/03/061/1998-04-23/2049?org=PLC&plcdf=true
[45] https://iniciativaliberal.pt/wp-content/uploads/2022/01/Iniciativa-Liberal-Programa-Eleitoral-2022.pdf
[46] https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=33525
[47] https://www.psd.pt/sites/default/files/2020-09/programa-eleitoral-2011.pdf
[48] https://www.psd.pt/sites/default/files/2020-09/programa-eleitoral-2015.pdf
[49] https://expresso.pt/politica/2017-05-31-PSD-contra-circulos-uninominais-criariam-hiper-megageringonca
[50] https://expresso.pt/politica/2019-02-09-PSD-prepara-proposta-para-circulos-uninominais
[51] https://www.psd.pt/sites/default/files/2022-03/Programa%20Eleitoral%202022.pdf
[52] https://www.psd.pt/sites/default/files/2021-07/Reforma_sistema_eleitoral_psd.pptx
[53] https://pt.wikipedia.org/wiki/Número_triangular , o incremento dos divisores é fundamental para obter uma maior distribuição de mandatos e compensar a grande variação no tamanho dos círculos
[54] Preferential Voting in Denmark: How, Why, and to What Effect? - Jørgen Elklit, ECPR General Conference, Reykjavik, Iceland, 2011
[55]https://www.eduskunta.fi/EN/naineduskuntatoimii/kirjasto/aineistot/yhteiskunta/womens-suffrage-110-years/Pages/women-as-members-of-parliament.aspx
[56]https://eige.europa.eu/news/countries-legislated-quotas-could-achieve-gender-balance-parliaments-2026-those-without-may-take-close-twenty-years
[57] https://www.parlamento.pt/Legislacao/Documents/Legislacao_Anotada/LeiParidade_Simples.pdf
[58] https://www.politicaparatodos.pt/party/PS/candidates/Portalegre
[59] https://www.politicaparatodos.pt/party/PPD%2FPSD/candidates/Braga
[60] https://www.loc.gov/item/global-legal-monitor/2019-02-14/germany-state-of-brandenburg-passes-act-on-gender-parity-in-politics/
[61]https://web.archive.org/web/20211223094855/http://decisionmaker.co.nz/guide2006/tbp_MMPfirstdecade_05.html
[62]https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/01/07/03/061/1998-04-23/2087?org=PLC&plcdf=true
[63] aos 44:25 https://arquivos.rtp.pt/conteudos/presidenciais-86-2a-volta-debate-mario-soares-vs-freitas-do-amaral-parte-i/
[64] “The effect of the constructive vote of no-confidence on government termination and government durability”, Ayelet Rubabshi-Shitrit e Sharon Hasson, 2021

Petição 15/XVI/1

Petição - Apresentada à A.R.

Subscritor(es): Pedro Ricardo Chainho Sequeira


Primeiro subscritor: 1

Assinaturas entregues: 74

Assinaturas online: 53

Total de assinaturas: 128


Anexos


Texto


Informação adicional

  • 2024-05-08: Nomeado o relator HUGO CARNEIRO