Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República,

O Projeto de Monitorização, Acompanhamento e Investigação em Avaliação Pedagógica, (Projeto MAIA), decorreu de um contrato celebrado entre a Direção Geral da Educação do Ministério da Educação e o Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, tendo sido integralmente concebido e elaborado pelo seu coordenador, Domingos Fernandes, então docente desta instituição, integrando outros elementos que vieram a constituir a Equipa Central deste Projeto. Surge, no ano letivo 2019-2020, com o propósito de contribuir para a melhoria dos processos de ensino, de aprendizagem e de avaliação pedagógica, partindo do princípio, que consideramos muito questionável, de que muitos professores teriam dificuldades em compreender os conceitos e em fazer uma distinção clara entre avaliação e classificação, o que constituiria um fator determinante e com consequências negativas na prática pedagógica.
Nesse pressuposto, foi pensada e delineada uma estratégia, de implementação a nível nacional, concertada com os Centros de Formação de Associações de Escolas (CFAE) e com as direções dos Agrupamentos de Escolas/Escolas não agrupadas, (AE/ENA), concretizada através de um conjunto de iniciativas e onde adquire especial relevância a organização de Oficinas de Formação. Isto porque, logo no primeiro ano de implementação, o projeto teve a adesão de dezenas de CFAE, os quais desenvolveram Ações e Oficinas de Formação que terão envolvido, no mínimo, 2500 docentes formandos, de cerca de 400 AE/ENA.
O problema é que, apesar de no Projeto se enunciar o princípio de que a formação deveria ser pensada e desenvolvida com os formandos e não para os formandos, todo o seu desenvolvimento seguiu uma lógica piramidal, partindo do topo para base e, tal como é reconhecido nos próprios relatórios de avaliação do projeto, as Oficinas de Formação replicaram o essencial do que foi uma prévia formação de formadores (representantes dos CFAE ao nível da Autonomia e Flexibilidade Curricular), induzindo os formandos a pôr em prática essas mesmas recomendações e orientações.
Interessava que os docentes “apreendessem as ideias fundamentais” e as disseminassem através da criação de Projetos de Intervenção (PI) para as respetivas escolas. Tal como é referido no relatório de avaliação do primeiro ano do Projeto, “o processo de conceção e de elaboração dos PI orientou-se pelo referencial teórico proposto e pelas orientações fornecidas, bem como por outros materiais concebidos pelos formadores”. Porém, esta estratégia, alicerçada numa metodologia que os autores classificaram de “formação-ação”, abriu portas à conceção e imposição de referenciais de avaliação nas escolas que, na tentativa de estabelecer critérios transversais e transdisciplinares, e os respetivos descritores de desempenho, tendo em conta os processos diversificados de recolha de informação, são altamente complexos, pouco consistentes, extremamente burocráticos e fastidiosos e, por isso, em elevado grau, completamente inexequíveis para qualquer docente com várias dezenas, ou mesmo centenas, de alunos.
O crescimento expansionista e cumulativo da burocracia nas escolas, traduzido numa multiplicidade de procedimentos administrativos de recolha de dados, organização e tratamento da informação e registo de evidências, intensificou o controlo e a pressão da tutela (e dos seus representantes nas escolas, os diretores) sobre os professores, obrigando-os a trabalhar cada vez mais horas. A crescente responsabilização dos professores pelo “insucesso” dos seus alunos, mesmo quando os alunos nada querem saber ou pouco fazem para melhorar, leva à interiorização de um sentimento de culpa e à frustração de estar aquém das normas e expetativas que se vão criando, formais e informais, independentemente do esforço e do tempo dedicados à profissão, muitas vezes com sacrifício da vida pessoal e familiar. Este auto-questionamento e o desfasamento da própria identidade pessoal e profissional com as políticas públicas da educação que têm sido seguidas, onde se inclui o Projeto Maia, leva ao desgaste, ao cansaço e ao desânimo dos professores. O estado de "burnout” e de depressão atinge níveis cada vez mais elevados na classe docente. E a burocracia associada aos processos de avaliação, que se pretendem cada vez mais complexos (só compagináveis com recurso a um sem número de grelhas e folhas Excel), em muito contribui para o agravamento da situação. Ao ponto de a profissão docente, que há décadas tem vindo a perder prestígio e reconhecimento social, além de pouco atrativa para os jovens, está a tornar-se uma profissão cada vez mais subjugada e entediante para quem atualmente a exerce.
Queremos, pois, que seja contrariada esta tendência e que se tomem medidas no sentido da recuperação da dignidade e do respeito pela atividade profissional do professor. Queremos libertar a escola das formas de opressão burocrática que são comprovadamente inúteis e que estão em total desacordo com os princípios de autonomia, serviço público, confiança, criatividade e capacidade de inovar que sempre orientaram os professores. Os professores precisam de tempo. Tempo para a procura de atividades de criação de conhecimento, tempo para preparar as aulas e tempo nas aulas para ensinar.
Em suma, o Projeto Maia, a avaliar pela experiência própria dos signatários desta petição, amplamente corroborada por testemunhos inequívocos de milhares de professores que, de norte a sul do país, o têm tentado pôr em prática, está a ter um efeito nefasto na orientação pedagógica e na prática profissional dos professores, ao passo que apresenta contributos irrelevantes em termos de melhoria das aprendizagens dos alunos. Aliás, se algum contributo se lhe reconhece, em termos de políticas educativas, é o de promover o facilitismo e o aumento irreal das taxas de sucesso, nisto retirando qualidade e exigência ao ensino da escola pública.
O balanço constante nos relatórios dos dois primeiros anos de vigência Projeto Maia, produzido pelos seus autores, infere como globalmente positivos a adesão ao projeto e o envolvimento dos CFAE, os processos de Acompanhamento e Monitorização e todas as dinâmicas da formação e Projetos de Intervenção realizados, mas, baseia-se em inquéritos por questionários a “grupos focados”, isto é, aos formadores e formandos implicados nas formações e, portanto, uma amostra enviesada que não é consistente com a realidade e a opinião generalizada dos intervenientes nas escolas. Em seu entender, o Projeto está a correr bem no que concerne às redes criadas e formação realizada, mas nada se conclui, nem pode concluir, quanto aos reais benefícios para os processos de ensino e aprendizagem dos alunos.
Portanto, senhor Presidente da Assembleia da República, há um problema que reputamos como grave, que está a afetar negativamente os processos de ensino e de aprendizagem e o trabalho nas escolas, que as estruturas do Ministério de Educação não reconhecem e que consideramos, para o bem geral, ser urgente dar solução. E a solução é a imediata cessação do Projeto Maia e, com isso, o fim do financiamento das Ações e das Oficinas de Formação promovidas pelos CFAE, a dissolução das Redes de Acompanhamento e das Redes de Proximidade, que muito têm insistido, ou mesmo pressionado, as direções e os conselhos pedagógicos dos AE/ENA no sentido da adesão, e devolver a palavra aos professores e aos órgãos colegiais das escolas, grupos disciplinares e departamentos, confiando na sua autonomia e na sua competência científica e pedagógica. É fundamental que não se prossiga com a implementação do Projeto em mais escolas e que seja dada a possibilidade às escolas que aderiram de reavaliar e reformular livremente os seus Projetos de Intervenção e referenciais de avaliação. É fundamental a participação alargada dos docentes, simplificando e clarificando os processos e revertendo os dispositivos de avaliação que se têm revelado excessivamente burocráticos e minuciosos, sem qualquer vantagem para avaliação pedagógica e para a transparência das classificações e que constituem um peso e uma carga de trabalho para os professores que lhes retira tempo e energia para se dedicarem aquilo que entendem ser verdadeiramente importante, a preparação das aulas e a adequação didática às necessidades dos alunos.
Nisto consiste o objeto desta petição, que pretendemos que seja debatido e endereçado ao governo, na forma de recomendação, como medida urgente e inadiável de combate à burocracia, de melhoria do funcionamento das escolas e de respeito pelo direito dos professores à participação no processo educativo, consagrado no artigo 5º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário, Decreto-Lei n.º 41/2012.

A peticionária,
Dália Cristina Pereira Aparício

Petição 143/XV/1

Petição - Arquivada

Subscritor(es): Dália Cristina da Costa Gonçalves Pereira Aparício


Primeiro subscritor: 1

Assinaturas entregues: 13165

Assinaturas online: 51

Total de assinaturas: 13217


Anexos


Texto


Informação adicional

  • 2023-06-07: Nomeado o relator INÊS BARROSO