(Nota: para ver a petição num formato mais agradável, com um gráfico, e os links automáticos:
https://sites.google.com/view/ref115-11 ou pdf em anexo)



Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República,
Exmas. Senhoras Deputadas à Assembleia da República,
Exmos. Senhores Deputados à Assembleia da República,


Os cidadãos abaixo-assinados apresentam, nos termos da Constituição e da lei, a seguinte petição, denominada: “Referendo com sentido”, com vista à alteração do número 11 do artigo 115.º da Constituição da República Portuguesa, no âmbito do processo de revisão constitucional iniciado em 2022.

O n.º 11 do Artigo 115.º diz: “O referendo só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento.”

Neste processo de Revisão Constitucional há propostas de alteração do Chega e do PCP que tornam todos os resultados vinculativos, para "valorizar e incentivar a participação"[1]. A possibilidade de resultados com pouco apoio serem vinculativos motivou críticas na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, CERC [2], por parte do PS, PSD e L em 02/05/23 [3].
(Em 2010 [4] também o PSD e o CDS propunham eliminar este n.º11)


Actualmente, excluindo o efeito dos votos brancos e nulos, num referendo entre manter a situação existente (votar «não» à mudança), ou mudar (votar «sim»), há 3 cenários possíveis quanto ao efeito vinculativo do referendo no sentido da mudança:

«A» Nunca é vinculativo se menos de 25% dos eleitores inscritos votarem «sim»;
«B» Pode ser ou não ser vinculativo se 25 a 50% dos eleitores inscritos votarem «sim»;
«C» É sempre vinculativo se mais de 50% dos eleitores inscritos votarem «sim».

No caso intermédio, «B», é possível que o «sim» ganhe, mas o referendo não seja vinculativo por falta de votos contra. Isto significa que alguém oposto à mudança pode inadvertidamente tornar essa mudança vinculativa ao ir votar contra ela.


O objectivo desta petição é chamar a atenção para este efeito pernicioso, e sugerir uma alternativa que o elimina, preservando o actual apoio mínimo necessário para que um resultado seja juridicamente vinculativo.

O facto dos poucos referendos realizados terem sido politicamente vinculativos não deve justificar manter na Constituição uma regra paradoxal, que vários estudos mostram que aumenta a abstenção [5], e até pode colocar em causa a legitimidade do resultado (e.g. Hungria em 2016: 98% dos votantes apoiaram a decisão do governo, mas ambos os lados declararam vitória [6], após a oposição fazer campanha pela abstenção para impedir que o referendo fosse vinculativo [7]).


A proposta é manter os cenários «A» e «C» inalterados, e remover o potencial efeito paradoxal no cenário «B». Assim a alínea passaria a ser:
“O referendo só tem efeito vinculativo quando o número de votantes numa das alternativas for superior a um quarto dos eleitores inscritos no recenseamento.” [ou em ambas, naturalmente]

Dessa forma, o apoio mínimo necessário para que um resultado seja vinculativo mantêm-se inalterado. (Tendo em conta os votos brancos e nulos, o limite actual é ligeiramente mais baixo, e mais complexo: «25% menos 1/4 da percentagem de votantes que vota em branco ou nulo». Em 2007 este limite mínimo foi aproximadamente 24.5%.)


Para ilustrar as diferenças serão usados os dados do referendo de 2007 em Portugal [8]:
2.23 milhões de eleitores votaram «sim», o que representou 25.3% dos eleitores recenseados.
1.53 milhões de eleitores votaram «não», o que representou 17.4% dos eleitores recenseados.
74 mil eleitores votaram branco ou nulo, o que representou 0.8% dos eleitores recenseados.

Assim, a participação total foi de apenas 44%, pelo que o resultado não foi vinculativo.

No entanto, se 600 mil abstencionistas inclinados para votar «não» decidissem exercer o seu dever cívico, em vez de ficarem em casa, seriam recompensados com a garantia constitucional de que a mudança que queriam evitar passaria a ser vinculativa. Os eleitores a votar «não» seriam assim 2.13 milhões (24.2% do total), e dessa forma a participação já seria superior a 50%.

Se em vez disso fossem 500 mil abstencionistas a decidir ir votar sim, o resultado não seria vinculativo, apesar da vitória ser muito mais expressiva do que no caso anterior.

Na alteração proposta os três cenários seriam vinculativos, já que em todos mais de um quarto dos eleitores recenseados votaram «sim», e em número superior aos votos «não».


Devido à situação perversa já referida, a regra actual incentiva à abstenção de quem é pelo «não», para prevenir que uma possível vitória do «sim» seja vinculativa.
Para quem é a favor da mudança, ir votar «sim» é sempre a decisão racional, e assim, esta desigualdade de incentivos pode distorcer o próprio resultado.

Estes efeitos perniciosos desaparecem na solução proposta, que é, em todas as métricas, superior à regra actual [9].



[1] Apresentação Comparada dos Projectos de Revisão Constitucional - 2022: https://ficheiros.parlamento.pt/DILP/Publicacoes/Legislacao/50.ApresentacaoComparadaPRC/50.digital.pdf

[2] https://www.parlamento.pt/sites/COM/XVLeg/CERC/

[3] Gravação da reunião na ARTV: https://canal.parlamento.pt/?cid=6945

[4] Apresentação Comparada dos Projectos de Revisão Constitucional - 2010: https://ficheiros.parlamento.pt/DILP/Base_Dados_RC/Revisao_Constitucional_2010.pdf

[5] A Referendum Experiment with Participation Quorums, Yoichi Hizen, 2020
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/kykl.12256

“Referendum Design, Quorum Rules and Turnout”, Luís Aguiar-Conraria, Pedro C. Magalhães, 2008 (Pré-publicação).
http://www3.eeg.uminho.pt/economia/nipe/docs/2008/NIPE_WP_5_2008.pdf

“What are the best quorum rules? A Laboratory Investigation”, Luís Aguiar-Conraria, Pedro C. Magalhães, Christoph A. Vanberg, 2019
https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/43689/2/ICS_PMagalhaes_What_Early_Version.pdf

“Approval quorums dominate participation quorums”, F. Maniquet, M. Morelli, 2015
https://link.springer.com/article/10.1007/s00355-014-0804-0

[6] https://www.france24.com/en/20161002-low-turnout-hungary-migrant-referendum-orban-refugees

[7] The 2016 Referendum in Hungary, Theresa Gessler, 2017
https://politicalscience.ceu.edu/sites/politicalscience.ceu.hu/files/attachment/basicpage/1096/theresagessler_0.pdf

[8] COMISSÃO NACIONAL DE ELEIÇÕES, resultados do referendo nacional de 11 de Fevereiro de 2007: https://www.cne.pt/sites/default/files/dl/resultados_rn_1_2007.pdf

[9] “Approval quorums dominate participation quorums”, F. Maniquet, M. Morelli, 2015
https://link.springer.com/article/10.1007/s00355-014-0804-0

Petição 214/XV/2

Petição - Arquivada

Subscritor(es): Pedro Ricardo Chainho Sequeira


Primeiro subscritor: 1

Assinaturas entregues: 0

Assinaturas online: 7

Total de assinaturas: 8


Anexos


Texto