Exmo. Senhor Presidente da República, Exmo Senhor Presidente da Assembleia da República, Exmos Senhores e Senhoras Deputados das diferentes forças políticas da Assembleia da República, Exmos Senhores e Senhoras Juízes do Tribunal Constitucional, Exmo Primeiro Ministro,
No passado dia 10 de Agosto de 2023, por volta das 16h, a Faia e o seu dedicado passeador de há mais de seis meses, Lars Rueger, foram brutalmente esfaqueados em Lisboa, na área da Penha de França, num descampado junto das Torres do Alto da Eira. O ataque foi premeditado, depois de um desentendimento prévio entre a mulher do assassino, cujos cães partiram para cima da Faia, e o passeador, cerca de 1h antes do crime. A Faia, cadela doce, sociável e muito amada, como se pode comprovar através da sua página de instagram @faia_podengo, não sobreviveu. O Lars teve essa "sorte" porque conseguiu fugir mas ficou bastante ferido ao tentar proteger a Faia, e defender-se, com cortes profundos nos braços, pernas e pé. Mesmo ferido, assim que conseguiu, carregou a Faia em braços, desesperado, os dois ensanguentados, até ao veterinário mais próximo, a clínica veterinária Dra Vanessa Carvalho, na Avenida General Roçadas, onde a Faia já era seguida. O processo penal corre termos mas o criminoso continua em liberdade apesar de ter assassinado um animal inocente e meigo, e tentado assassinar um ser humano. Pode, neste momento, voltar a fazê-lo a qualquer altura. O massacre da Faia espelha também um outro tipo de ódio/preconceito que tem vindo a escalar e que é necessário combater - violência contra pessoas numa situação de fragilidade social. Acontece que Lars vive neste momento numa situação de sem abrigo, facto desconhecido pelos tutores da Faia até ao dia do crime. Circunstâncias da vida fizeram com que Lars, cidadão alemão, formado, extremamente educado, irrepreensivelmente pontual, respeitador, sociável, e que nutre um amor gigante por animais, estivesse a viver no descampado em frente às torres acima mencionadas. O assassino pensou que Faia pertencia a Lars, e que ninguém quereria saber nem do seu cão, nem tão pouco dele, podendo desferir o seu ódio e maldade sem consequências. Enquanto lhes fazia a espera, destruiu o acampamento do Lars e assim que os viu, esfaqueou brutalmente a Faia, atacando em seguida o Lars. A intenção era só uma: matar. Mas não só não era o Lars o tutor da Faia, como tem o Lars mais dignidade, carácter e estrutura emocional do que muitos que vivem entre quatro paredes de betão, e têm-se mantido ao lado dos tutores na sua luta por justiça exercida da forma certa, sem medo de dar a cara e mostrar o amor que lhe tinha, mesmo que isso signifique ficar exposto a um assassino que continua em liberdade, e sabe onde mora.
A Faia viveu apenas dois anos e meio, cheios de amor e aventuras. A sua chegada foi muito ponderada e desejada. Era um membro inseparável da família, e já a melhor amiga da bebé de agora 10 meses, com a qual sempre se pensou que cresceria. A forma bárbara e cruel como foi assassinada deixou os seus tutores e passeador não só irreparavelmente traumatizados, mas também em perigo. Estudos comprovam que a violência contra os animais não humanos está muitas vezes ligada à violência contra as pessoas. Laurentina Pedroso, Provedora do Animal desde a criação do cargo em 2021, avança que “70% das pessoas que foram acusadas de crimes de violência contra animais já estavam referenciadas por outra situação de violência contra pessoas”, e que “o bem-estar e a proteção dos animais enquanto sociedade denota também um sinal de educação de que o mesmo respeito é esperado com as pessoas (...) Ensinar empatia e sensibilidade para com os animais é, muitas vezes, proteger as pessoas". Cremos ser de vital importância apostar em mais acções de sensibilização e promoção do bem estar animal a nível intergeracional, promovidas pelos governantes, autarquias, associações de animais, entre outros, por forma a continuar a educar e agir preventivamente em relação a comportamentos que constituem maus tratos.
A tragédia da Faia emocionou o país, com várias reportagens televisivas e forte atenção mediática, além de uma onda de indignação nas redes sociais que se traduziu em milhares de partilhas. No entanto, as leis não se fazem nem se aplicam movidas por pressões mediáticas. A justiça não se faz por via popular, nem por sede de sangue. Não era isso que a Faia representava, nem é essa a vontade que move os peticionários que abaixo assinam. Contudo, BASTA. É altura de dizer BASTA. Em pleno século XXI, BASTA de ambiguidades e indefinições legislativas que resultam em impunidades grosseiras dependentes de interpretações. BASTA de indiferença, de vazios legais, de esquecimento, de morosidade antropocêntrica que termina invariavelmente em coisa nenhuma, e no mais puro desrespeito pelo bem estar animal, e de quem os ama e deles cuida. BASTA de justificar porque é que uma lei de criminalização de maus tratos e abandono aos animais com NOVE anos ainda não é aplicada eficazmente para proteger aqueles a quem supostamente é dirigida. BASTA de hastearmos uma bandeira de país evoluído apenas no papel. Articulemos a lei com os vários estudos científicos existentes e reconheçamos que o bem estar animal e o bem estar humano se encontram indelevelmente ligados numa reciprocidade que TEM que ser protegida por forma a assegurar a sustentação de uma sociedade equilibrada.
No tocante ao crime de maus tratos contra animais de companhia, têm vindo a suscitar-se questões de inconstitucionalidade relativamente às normas aplicáveis ou mesmo, quanto à violação do eventual princípio da legalidade penal de que tais normas poderão, eventualmente enfermar, por relativa indeterminabilidade, quer quanto à concretização (insuficiente, por sinal) do conceito de animal de companhia, quer quanto à incerteza que a descrição legal do tipo de ilícito pode gerar. Por via deste “Estado da Nação” do regime penal aplicável a estes crimes, apesar de consagrado no Código Penal (facto que merece toda a devida vénia), o mesmo esmorece na sua aplicabilidade prática sendo pois, ferido na sua efetividade, vítima de si própria já que, lamentavelmente, nasceu prematura, e muito pouco ponderada, expondo assim o flanco aos mais diversos ataques.Não sendo requalificada, terá como destino o seu perecimento. A tudo isto acresce o facto de, nos casos (raros) em que concretiza o seu objeto e, assim mesmo, consequentemente, almeje a desejada justiça, com a respectiva condenação, dificilmente a comunidade em geral se sentirá segura ou recompensada no dano social contra si perpetrado tendo em conta a insuficiente moldura penal que, não só, pode ser substituída por pena de multa, independentemente da maior ou menor gravidade dos factos, como ainda raramente, revestirá força suficiente porquanto, raramente, ultrapassa a suspensão da execução da pena de prisão.
As várias “conquistas” legislativas no que respeita aos direitos dos animais em Portugal têm sido poucas e lentas, não obstante a sua boa intenção, e carecem de urgência na sua aplicabilidade real. De que vale estar a protecção dos animais consagrada na lei desde 1995 (Lei 92/95, de 12 de setembro); a criminalização dos maus tratos e abandono a animais de companhia aprovada pela Assembleia da República desde 2014 (artigo 387.º e ss. do Código Penal); o estatuto jurídico dos animais estabelecido desde 2017 (lei 8/2017, de 3 de março) “reconhecendo a sua natureza de seres vivos dotados de sensibilidade”, se as Faias do nosso país esbarram depois com questões de inconstitucionalidade e molduras penais que não desmotivam os agressores e são por eles tidas como alvo de escárnio de tão brandas, insignificantes e inconsequentes?
Em face do exposto, avizinhando-se como provável ser este crime perpetrado contra a Faia mais um caso de difícil concretização da justiça que tais factos (horrendos e premeditados) merecem, tendo em conta a natureza dos crimes praticados, exigimos JUSTIÇA e uma lei que a permita implementar consequentemente, e não só em teoria. EXIGIMOS:
1. A consagração do bem estar animal na Constituição da República Portuguesa enquanto bem jurídico dignificado e tutelado pelo nosso diploma fundamental;
2. A alteração da redação da Lei de maus tratos e abandono de Animais de Companhia em ordem a uma melhor clareza e concretização dos vários conceitos plasmados na mesma.
3. A revisão da moldura penal aplicável aos crimes de maus tratos e abandono a animais de companhia de modo a cumprir cabalmente os fins das penas.
Pela Faia e por todas as Faias. Pelo Lars e por todos os Lars. Que a sua tragédia seja a última, que o seu sacrifício não seja em vão, e que a sua história represente o gatilho para que quem de direito e com competências para, através de actuações concertadas e articuladas, corrija inequivocamente e com celeridade o que está errado desde a sua concepção, de forma clara e concreta, garantindo a protecção animal de forma justa, digna e eficaz, e a punição exemplar de quem contra ela atente. Que o legado da Faia assente na bondade, rectidão e justiça que se deseja, não apenas para o futuro, mas que merecemos no presente. Pela memória de todos os animais humanos e não humanos a quem a lei já falhou.
Petição 212/XV/2
Petição - Arquivada
Subscritor(es): Sara Graça da Silva
Primeiro subscritor: 1
Assinaturas entregues: 4030
Assinaturas online: 5440
Total de assinaturas: 9471
Anexos
Vídeo
Informação adicional
- 2023-10-04: Nomeado o relator PEDRO DELGADO ALVES
- 2024-11-29: A iniciativa vai ser adicionada a 124/XV/1