Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
Dos Fatos
Nos últimos anos, fonoaudiólogos brasileiros têm encontrado inúmeras dificuldades para obter o reconhecimento de suas qualificações e a concessão da cédula profissional para o exercício da profissão de Terapeuta da Fala em Portugal. O cerne da questão reside na alegada inadequação dos profissionais brasileiros ao domínio do português europeu, especialmente nos domínios semântico, sintático e fonético-fonológico.
A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), ao avaliar os pedidos de concessão de cédula profissional, tem sistematicamente negado a liberação sob o argumento de que os fonoaudiólogos brasileiros não dominam o português europeu, exigindo, inclusive, exames de proficiência linguística que não estão previstos legalmente e que não possuem parâmetros claros ou divulgados.
Essa prática atinge diretamente profissionais brasileiros, muitos dos quais possuem vasta experiência e formação de excelência no Brasil, inclusive com especializações internacionais. Em casos concretos a negativa do pedido de cédula profissional baseou-se na justificativa de que ela não dominava o português europeu, apesar de jamais ter sido avaliada neste sentido, além de alegar que desconhecia protocolos de avaliação de linguagem usados em Portugal, sem, no entanto, ter a oportunidade de demonstrar tal conhecimento. (ver matérias:https://www.dn.pt/4993092870/fonoaudiologas-brasileiras-lutam-para-exercer-em-portugal/, https://sinalaberto.pt/o-dilema-do-idioma/, https://piaui.folha.uol.com.br/cao-chavena-e-mais-pequeno-batalha-de-fonoaudiologas-brasileiras-para-exercer-profissao-em-portugal/, https://noticiabrasil.net.br/20201124/fonoaudiologos-brasileiros-sao-impedidos-de-trabalhar-em-portugal-por-nao-dominar-idioma-16496254.html )
Do Tratado de Amizade e da Ilegalidade da Prática
Cumpre destacar que o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinado em 2000 e vigente desde 2001, dispõe que os graus e títulos acadêmicos concedidos por instituições de ensino de um dos países signatários devem ser reconhecidos no outro. Este tratado prevê o livre exercício profissional para cidadãos brasileiros e portugueses nos respectivos países, sem discriminação.
Além disso, a legislação europeia, especificamente a Diretiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, estabelece normas sobre o reconhecimento das qualificações profissionais dentro da União Europeia, reconhecendo a igualdade de direitos entre profissionais de países membros e aqueles que possuam tratados equivalentes com a União Europeia, como é o caso do Brasil com Portugal.
A exigência de exames de domínio do português europeu, especialmente para brasileiros que falam a mesma língua, revela-se uma prática discriminatória e desproporcional, afrontando os princípios de igualdade e de não discriminação consagrados na Constituição da República Portuguesa, bem como no Tratado da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que considera o português como uma língua una, em suas diferentes variantes.
Da Falta de Fundamentação Jurídica
Ainda que se considere a possibilidade de exigência de comprovação de proficiência linguística, tal medida deveria observar critérios claros, transparentes e previsíveis, conforme previsto na legislação portuguesa, em especial no Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, que regulamenta a profissão de Terapeuta da Fala. No entanto, até o momento, os fonoaudiólogos brasileiros têm sido submetidos a avaliações arbitrárias, sem a devida transparência nos procedimentos adotados e sem a divulgação de editais que orientem sobre a preparação necessária.
Importa mencionar que a avaliação do domínio linguístico só pode ser conduzida por profissionais da área de linguística, como ocorre com outras profissões que exigem domínio específico de linguagem, e não por terapeutas da fala, cuja competência reside na habilitação e reabilitação de distúrbios da comunicação e não na avaliação da fluência ou competência linguística de um profissional.
Do Pedido
Diante do exposto, solicita-se a Vossa Excelência a tomada das seguintes providências:
Intervenção junto à ACSS para que os processos de concessão da cédula profissional aos fonoaudiólogos brasileiros sejam revistos, garantindo a transparência nos critérios de avaliação e a aplicação de provas linguísticas quando absolutamente necessárias, mas que sejam conduzidas por profissionais habilitados na área de linguística e com base em critérios objetivos e publicados previamente.
Adequação da legislação vigente ou a edição de normas regulamentadoras que harmonizem o processo de reconhecimento das qualificações dos fonoaudiólogos brasileiros, respeitando o Tratado de Amizade entre Portugal e Brasil, bem como a Diretiva 2005/36/CE, garantindo a igualdade de oportunidades e o direito ao trabalho.
Abolição de práticas discriminatórias e xenofóbicas no tratamento dos pedidos de reconhecimento de qualificação de profissionais brasileiros, como a exigência de que os candidatos ajustem o seu sotaque ou de que dominem expressões específicas da variante europeia do português, já que tais exigências não são feitas a outros profissionais estrangeiros.
Propor a celebração de acordos bilaterais adicionais entre Portugal e Brasil no campo da fonoaudiologia e da terapia da fala, de forma a garantir o intercâmbio de conhecimento, boas práticas e o reconhecimento mútuo das competências profissionais.
Exigir o cumprimento estrito do Tratado de Amizade, de modo que as competências e formações adquiridas no Brasil sejam reconhecidas e respeitadas em Portugal, sem discriminações desproporcionais.
Conclusão
Os fonoaudiólogos brasileiros são profissionais altamente qualificados, cuja atuação em Portugal pode contribuir de forma significativa para o desenvolvimento da área da saúde, educação e apoio social. No entanto, a persistência de práticas discriminatórias e infundadas por parte das autoridades portuguesas tem inviabilizado o exercício de suas atividades profissionais, em clara afronta à legislação e aos tratados vigentes.
Assim, espera-se que Vossa Excelência interceda para corrigir esta injustiça e garantir que os fonoaudiólogos brasileiros possam exercer legalmente sua profissão em Portugal, conforme previsto nos acordos internacionais e na legislação europeia.
Nestes termos, pede a devida apreciação com máxima urgência.
Petição 110/XVI/1
Petição - Apresentada à A.R.
Subscritor(es): Adriano Dias Moraes
Primeiro subscritor: 1
Assinaturas entregues: 0
Assinaturas online: 142
Total de assinaturas: 143