Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República,
Petição para revisão do Decreto-Lei n.º 12/2006 que regula a constituição e funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões em Portugal.
I - Contextualização Geral:
Os Fundos de Pensões são instrumentos fundamentais de poupança e investimento a longo prazo, destinados a garantir um complemento à reforma e a promover a gestão sustentável dos rendimentos no momento da aposentação.
No entanto, o regime atual impõe uma rigidez significativa na mobilização dos valores acumulados e limita fortemente a transferência para outros produtos financeiros, como os Planos Poupança Reforma (PPRs). Esta rigidez visa evitar resgates prematuros e preservar a finalidade do produto que é o complemento à reforma, mas acaba por restringir a liberdade financeira dos trabalhadores e a eficiência na gestão dos seus recursos.
Este problema é predominantemente grave nos Fundos de Pensões obrigatórios vinculados a contratos de trabalho, onde o trabalhador não tem liberdade de escolha nem flexibilidade de mobilização após cessar o vínculo laboral.
II - Problemas Identificados:
• Ausência de liberdade de escolha: O trabalhador é obrigado, pelo contrato de trabalho vigente, a canalizar uma parte do seu rendimento para um produto financeiro específico (Fundo de Pensões), sem possibilidade de optar por outro mais alinhado com o seu perfil de risco, idade, filosofia de investimento ou objetivos.
• Rigidez extrema de mobilização: Segundo os artigos 31.º e 32.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, a mobilização dos fundos só é possível em situações muito restritas: reforma, invalidez, morte, desemprego de longa duração superior a 12 meses ou doença grave. Não existe qualquer previsão legal para transferência do saldo acumulado para outros produtos de reforma, como os PPRs (produtos com intuitos semelhantes), nem mesmo após a cessação do contrato de trabalho.
• Assimetria entre Fundos de Pensões e PPRs: Os PPRs beneficiam de um regime de mobilização significativamente mais flexível e transparente. Quando são utilizados para benefício fiscal em sede de IRS, dispõem de condições legais de resgate relativamente mais abrangentes (i.e. amortização de crédito à habitação). No entanto, mesmo quando não são incluídos na declaração de IRS para esse fim, a sua mobilização continua a ser permitida, sem penalizações, e, em muitos casos, com ainda maior facilidade, ao contrário do que sucede com os Fundos de Pensões, que permanecem fortemente condicionados.
• Falta de transparência: Apesar dos avanços da Lei n.º 27/2020, a informação disponibilizada sobre rentabilidades, comissões e perfil de risco nos Fundos de Pensões ainda não é tão clara ou comparável como a dos PPRs, prejudicando a capacidade dos trabalhadores de tomarem decisões informadas.
III - Proposta de Mudança Legislativa:
Solicitamos que a Assembleia da República aprecie uma proposta de revisão ao Decreto-Lei n.º 12/2006 (principalmente dos artigos 31º e 32º), que regula os Fundos de Pensões, com vista a incluir as seguintes alterações:
• Permitir a transferência do saldo acumulado num Fundo de Pensões, após a cessação do vínculo laboral, para produtos financeiros equivalentes com finalidade de poupança e/ou investimento para a reforma, nomeadamente os PPRs. Para tal, bastaria que o trabalhador comprovasse, junto da entidade gestora do Fundo, que o produto foi atribuído pela entidade empregadora, sem possibilidade de escolha, e que a relação laboral se encontra formalmente terminada.
• Harmonizar as condições de resgate, parcial ou total, dos Fundos de Pensões com as atualmente aplicáveis aos PPRs, incluindo situações como a amortização de crédito para habitação própria permanente, uma possibilidade legalmente prevista nos PPRs, mas ainda ausente no regime dos Fundos de Pensões. É especialmente relevante sublinhar que, nos PPRs não utilizados para benefício fiscal em sede de IRS, o resgate antecipado é plenamente permitido e isento de penalizações, o que contrasta com a rigidez absoluta dos Fundos de Pensões.
Alinhar os regimes de mobilização destes dois instrumentos, com finalidades similares de poupança para a reforma, promoverá uma concorrência de mercado mais justa, beneficiando os cidadãos através de uma maior liberdade de escolha e acesso a soluções mais adequadas ao seu perfil e às suas necessidades. Esta harmonização incentivará ainda as entidades gestoras, tanto de PPRs como de Fundos de Pensões, a desenvolver produtos mais eficientes, transparentes e competitivos, em prol de um sistema de poupança para a reforma mais moderno, equilibrado, rentável e centrado no aforrador.
• Reforçar a transparência e a obrigação de disponibilização de informação comparável relativa aos Fundos de Pensões, incluindo rentabilidades, comissões, perfil de risco e identidade da entidade gestora.
Apesar dos avanços mais recentes, previstos na Lei n.º 27/2020, relativos à transparência e proteção dos participantes, persistem limitações relevantes em matéria de mobilização e liberdade de escolha, que justificam uma nova revisão legislativa.
IV - Exemplo de Caso Real (verídico e ilustrativo)
Um trabalhador aderiu, no âmbito do seu contrato de trabalho, a um Fundo de Pensões fechado, com contribuições obrigatórias por parte de ambas as partes, trabalhador e entidade empregadora. Este produto foi definido unilateralmente pela empresa, não tendo o trabalhador qualquer possibilidade de escolha quanto à entidade gestora ou ao tipo de instrumento de poupança, podendo apenas indicar a distribuição das suas contribuições entre as opções de investimento previamente determinadas.
Com a cessação do vínculo laboral, cessaram também as contribuições, mas o montante acumulado permaneceu bloqueado, sem possibilidade de resgate ou de transferência para outro produto com finalidades equivalentes, como um Plano Poupança Reforma (PPR), eventualmente mais adequado ao perfil e aos objetivos financeiros do trabalhador.
Apesar de ter passado por um período de desemprego de 8 meses, este não foi considerado legalmente como “desemprego de longa duração”, condição que exige, nos termos da lei, pelo menos 12 meses, pelo que o trabalhador não reuniu os requisitos para aceder a qualquer exceção prevista para mobilização antecipada do fundo.
No caso de um jovem entre os 20 e os 30 anos, esta realidade significa que uma parcela relevante da sua poupança permanecerá imobilizada durante várias décadas, possivelmente 40 anos, num produto financeiro imposto, sobre o qual não teve poder de decisão ou negociação, nem alternativa viável de mobilização ou transferência.
Este é apenas um entre muitos casos concretos que refletem uma lacuna grave no regime legal atual: a inexistência de liberdade de escolha e de gestão da sua poupança, mesmo quando o vínculo laboral já cessou. A consequência é clara, os trabalhadores ficam presos a soluções impostas, sem flexibilidade, sem autonomia e com o seu património inacessível durante grande parte da vida ativa. Além disso, este bloqueio prolongado contribui para uma menor eficiência por parte das entidades gestoras de Fundos de Pensões (especialmente os que são contratualizados com empresas), que, ao manterem os participantes de forma automática e garantida, vêem reduzido o incentivo para melhorar a qualidade, a rentabilidade ou a transparência dos produtos que oferecem, uma vez que os clientes não podem sair.
V - Conclusão:
Esta petição não visa enfraquecer os mecanismos de poupança para a reforma, mas sim modernizá-los e torná-los mais justos, alinhando-os com princípios essenciais de liberdade de escolha, autonomia patrimonial, concorrência equilibrada, flexibilidade e transparência.
É inconcebível que trabalhadores continuem a ver as suas poupanças para a reforma bloqueadas durante décadas, sem qualquer margem de decisão sobre o produto, a entidade gestora ou a mobilização do seu próprio capital, mesmo após a cessação do vínculo laboral.
A atual assimetria entre Fundos de Pensões e produtos como os PPRs cria distorções no mercado, restringe a concorrência e penaliza os cidadãos, que ficam presos a instrumentos sobre os quais não tiveram qualquer palavra a dizer. Esta rigidez não só compromete a liberdade financeira dos aforradores, como também desincentiva as entidades gestoras a melhorar a qualidade, rentabilidade e transparência dos produtos, uma vez que beneficiam de uma base de clientes cativa e imobilizada.
Assim, torna-se urgente revisar o Decreto-Lei n.º 12/2006, de forma a permitir a transferência de Fundos de Pensões para produtos equivalentes, garantir condições de mobilização mais justas e uniformizar o tratamento fiscal e regulamentar entre instrumentos com finalidades semelhantes.
Propomos uma revisão legislativa que devolva aos cidadãos o controlo sobre o seu património de reforma, promova um mercado mais transparente e competitivo e incentive o desenvolvimento de soluções mais eficientes, acessíveis e alinhadas com as reais necessidades dos trabalhadores portugueses.
Apelo à Assembleia da República que acolha esta proposta com sentido de responsabilidade e urgência, e que legisle no sentido de proteger os direitos dos aforradores, modernizar o sistema de poupança para a reforma e garantir um futuro financeiro mais justo, livre e sustentável para todos.
Petição 57/XVII/1
Petição - Apresentada à A.R.
Subscritor(es): Sebastião Cascata Gago da Graça
Primeiro subscritor: 1
Assinaturas entregues: 0
Assinaturas online: 9
Total de assinaturas: 10